Fronteiras: Revista Catarinense de História. Dossiê Fronteiras, migrões e identidades nos mundos pré-modernos. N 35, 2020/01 –
ISSN 2238-9717
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DOI: https://doi.org/10.36661/2238-9717.2020n35.11421
Multiculturalidade e a Christiana Civilitas na Britannia de Gildas (s. VI)
1
Multiculturality and the Christiana Civilitas in Gildas’ Britannia (6
th
century)
M.ª Helena Schütz Leite
1
Prof. Dr. Renan Frighetto
2
Resumo
O período que parte da historiografia atual
denomina de Antiguidade Tardia foi marcado
tanto por rupturas quanto por continuidades
com o passado, causando uma série de
transformações em praticamente todos os
aspectos da sociedade tardo antiga. Este
trabalho busca contribuir para a compreensão
desse período ao observar o caso específico da
Britannia no século VI, uma região que esteve
em contato com diferentes grupos desde o
período chamado de Idade do Ferro e, portanto,
é constituída de múltiplas culturas e
identidades. Nesse contexto, analisamos em
especial a obra de De Excidio Britanniae de um
clérigo britânico chamada Gildas, tendo como
principal objetivo entender como a construção
de uma ideia de comunidade cristã nos auxilia à
compreender o tom de Gildas em referência à
uma unificação e identificação que ia além das
fronteiras dos reinos existentes na Britannia do
século VI.
Palavras-chave: Britannia; Christiana
Civilitas; Gildas.
Abstract
The period that part of the current
historiography calls Late Antiquity was marked
by both ruptures and continuities with the past,
causing a series of transformations in pratically
all aspects of late antique society. This works
seeks to contribute to the understanding of this
period by looking at the specific case of
Britannia in the 6th century, a region that has
been in contact with different groups since the
period called the Iron Age and, therefore, is
made up of multiple cultures and identities. In
this context, we analyze in particular the work
De Excidio Britanniae by a British clergyman
called Gildas, with the main objective of
understanding how the construction of an ideia
of Christian community helps us to understand
Gildas’ tone about a unification and
identification that went beyond the borders of
the kingdoms in 6th century Britannia.
Keywords: Britannia; Christiana Civilitas;
Gildas.
Introdução
Nas décadas de 1970 e 1980, autores como Peter Brown e Henri-Irénéé Marrou
passaram a questionar a visão pejorativa que até então predominava as análises dos séculos III
a VIII d. C.. Estes autores buscaram no conceito de Antiguidade Tardia uma forma de valorizar
o arco cronológico entre a Antiguidade e o Medievo, repensando as abordagens sobre ele
(BROWN, 1971; MARROU, 1977). A historiografia passou então a compreender o período
1
Mestra em História pelo Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Federal do Paraná (2019).
Graduada em História pela Universidade Regional de Blumenau FURB (2017). Membro discente do
NEMED/UFPR. Contato: helena.schutzleite@gmail.com
2
Doutor em História Antiga pela Universidade de Salamanca (1996), na Espanha; mestre em História Antiga e
Medieval pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990); professor associado da Universidade Federal do
Paraná, em Curitiba/PR, Brasil Departamento de História. Pesquisador 1D CNPq; pesquisador do
NEMED/UFPR. Contato: rfrighetto@hotmail.com
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representado pelo conceito de Antiguidade Tardia como uma nova e vigorosa civilização, seria
muito mais do que a simples passagem de um período para outro. Para Marrou, a Antiguidade
Tardia seria "outra civilização, cuja originalidade precisamos aprender a reconhecer e a apreciar
em seus próprios termos em vez de seguirmos os critérios de épocas passadas” (1977, p. 13).
Partindo dessa abordagem historiográfica, buscamos neste trabalho explorar este
contexto a partir da noção de "transformações", embora seja necessário afirmar que tal termo
não desconsidera as rupturas e conflitos que ocorreram em diversas regiões e em diferentes
momentos, mas sim assinala para o potencial modificador de tais questões. Além disso, é
preciso lembrar as múltiplas culturas e identidades que compunham os mundos tardo antigos.
Nesse sentido, temos como objetivo neste trabalho explorar uma região em específico: a
Britannia no século VI, na intenção de compreendermos as transformações que afetaram sua
população após a retirada militar romana da Ilha.
Também na região da atual Grã-Bretanha ocorreram conflitos e foram percebidos os
efeitos do fim do Império romano do Ocidente. Afinal, longe de fazer sentido a ideia de que,
por ser uma Ilha, a Britannia estaria isolada dos acontecimentos no Continente, esta foi, na
realidade, muitas vezes participante fundamental no desdobramento de momentos decisivos
para o futuro de Roma. De acordo com Michael Fulford, entre o primeiro século a.C e a metade
do terceiro, é possível perceber uma relação constante entre o mundo romano e a Britannia por
meio da troca e comércio de milhares de bens de consumo, como vinho, azeite de oliva e outros
artefatos que são encontrados na cultura material da Ilha (2007, p. 54).
Nesse sentido, embora a Britannia no final do século IV e início do V já não demonstre
a produção de moedas e nem mais utiliza-se da moeda imperial (CHARLES-EDWARDS, 2013,
p. 221), as evidências arqueológicas, como as encontradas em Tintagel, localizada na costa da
Cornualha, apontam para uma visível atividade comercial e para o fato de que os britânicos não
estavam isolados durantes os séculos V e VI, mas que mantinham relações comerciais com a
Gália, o Norte da África e com o Mediterrâneo (SNYDER, 2003, p. 99).
E ainda, mesmo tendo sido uma das últimas regiões anexadas ao Império romano, a
Britannia, assim como outros lugares, é um território que não pode ser pensado como
submissivo à influência administrativa e cultural de Roma, nem podemos pensar na Ilha como
estando deslocada e tendo, por isto, uma cultura e sociedade "pura" e sem influências de outros
povos que entravam em contato com a região desde o período conhecido como Idade do Bronze
britânica (2.500 a.C. - 800 a.C). Da mesma maneira, quando já não estava mais sob a influência
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militar romana, a cultura e o modo de vida na Ilha não voltaram a ser como no período anterior
à colonização de Roma.
Veremos ao longo deste trabalho que na Britannia criou-se um contexto específico que
continha tanto elementos de transformação como de continuidade, afinal, as novas visões que
encontramos na Antiguidade Tardia ainda "seguiram as pegadas da tradição greco-latina, mas
sem repeti-las, estabelecendo visões mais amplas sobre ideias já reconhecidas" (FRIGHETTO,
2007, p. 204). O Cristianismo é um dos elementos que caracterizam essa dinâmica entre o
passado e suas tradições e a criação de novas narrativas, ainda que inspiradas e baseadas em
práticas e ideias concebidas anteriormente. É importante destacar que quando falamos em
Cristianismo, em nenhum momento acreditamos que as práticas dessa religião fossem
homogêneas ou completamente estabelecidas por todos os territórios nos quais a religião era
praticada. Nesse sentido, quando mencionamos a expansão e difusão do Cristianismo,
entendemos isto como um longo processo que construiu e transformou a crença cristã.
No caso da Britannia, não podemos ter uma visão muito clara da difusão desta religião
em relação a outras já praticadas ou até mesmo quanto a sua propagação ao longo do território
britânico. Mesmo assim, parece ter ocorrido um crescimento das práticas cristãs com o decorrer
do tempo e se observarmos a cultura material da região, podemos inferir que no final do século
IV o Cristianismo teria se tornado a religião dominante da Britannia romana (DUMVILLE,
1997, p. 88-90).
Para Gildas,
2
um clérigo britânico que teria vivido na Ilha na primeira metade do século
VI, o Cristianismo é um elemento indissociável de sua narrativa. Portanto, compreender como
este estava estabelecido na Antiguidade Tardia é também atentar para uma compreensão da
forma como Gildas percebia o mundo a sua volta por meio da religião cristã. Neste artigo
trabalharemos com um aspecto específico do Cristianismo que se fortaleceu ao longo da
Antiguidade Tardia até o Medievo, a formação de uma identificação entre indivíduos tendo a
religião como ponto de união.
A Britannia de Gildas: multiculturalidade na Antiguidade Tardia
No entanto, antes de atentarmos para uma análise do Cristianismo na Antiguidade
Tardia e em especial, na Britannia do século VI, é preciso lembrar que esta região também
estava inserida em um contexto de constante movimentação e, dessa maneira, é necessário
efetuarmos alguns questionamentos, como: o que era, no século VI, em termos territoriais, essa
Britannia? Quem eram os britânicos, ou quem habitava a Ilha nesse período?
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Muito antes das invasões efetuadas por Roma, a Ilha era habitada por várias tribos
independentes que possuíam o controle de diferentes regiões e tinham "religiões, costumes e
tradições distintos daqueles dos invasores" (BELO, 2018, p. 23), assim como diferenças entre
as suas próprias crenças e culturas. Nesse sentido, tinham perspectivas de identidade social
separadas e não se compreendiam, necessariamente, como uma grande unidade. Percebiam-se
como catuvellaunii ou brigantii e não como britânicos. Podemos verificar essa questão quando
os romanos entram em contato com os habitantes da Ilha. Assim, quando Julio César enfrenta
Cassivellauno, rei dos catuvellauni, em 54 a.C. recebe o auxílio da tribo vizinha, os trinovanti,
que já possuía conflitos com os catuvellauni (Ibidem, p. 79).
No momento no qual o governo romano finalmente inicia um processo efetivo de
colonização da Britannia, ele se utiliza em parte das estruturas já existentes na Ilha, dividindo
a região primeiramente em duas províncias, Britannia inferior (York) e Britannia superior
(Londres), e a partir do final do século III, com as reformas efetuadas pelo então Imperador
Diocleciano, a Ilha passou a ser dividida entre as províncias Britannia Prima (Cirenchester),
Britannia Secunda (York), Flavia Caesarensis (Lincoln) e Maxima Caesariensis (Londres) que
formavam a diocese conhecida como Britanniae, isto é, as Britânias, no plural.
Com a dominação de Roma, a tradicional estrutura administrativa desta foi implantada,
mas como visto acima, ainda havia um certo nível de separação e independência entre as
províncias. Além disso, no início desse processo as até então autoridades locais de cada grupo
não foram totalmente eliminadas mas trabalhavam como "clientes" de Roma, mantendo sua
autoridade local, porém, ainda assim, pagando tributos ao governo romano (HARDING, 2010,
p. 156).
Todavia, essa divisão foi muitas vezes vista como algo que retornou facilmente após a
retirada romana e a constante regionalização da Ilha. Não podemos, no entanto, pensar nesse
movimento como ocorrendo de uma hora para outra. Como afirmam J. D. Hill and D. W.
Harding (HILL apud HARDING, 2010, p. 157), é muito simplista a visão de que a influência
romana teria sido tão superficial à ponto de que, quando retirada, as comunidades nativas da
Ilha teriam revertido aos seus costumes e crenças do período da Idade do Ferro. Por outro lado,
como ressalta Richard Hingley (1997), não podemos enxergar a relação entre os habitantes da
Britannia e os romanos como a imposição de uma cultura sobre a outra, mas sim como uma
constante troca cultural.
É entorno desta perspectiva que nosso trabalho busca girar. Portanto, compreendemos
que a Britannia não estava um dia sob o poder romano e no dia seguinte, com a retirada do
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contingente militar destes, retornou exatamente para como era antes do período sob o poder
imperial. Assim como, ao mesmo tempo, ela não perdeu completamente as tradições e hábitos
que possuía antes da dominação romana.
Primeiramente, é preciso lembrar que o Império não chegou a dominar efetivamente
todas as partes da Ilha, mas também que os efeitos da colonização não foram idênticos nem
homogêneos por todas as regiões da Britannia. Em segundo lugar, os habitantes dessa região
não entraram em contato apenas com Roma. Ao longo dos séculos como diocese, a Ilha foi
cenário de diferentes trocas culturais entre diversos grupos sociais e indivíduos que circulavam
e muitas vezes se assentavam na Ilha. Um bom exemplo é o caso dos escotos, que adentravam
a Ilha por meio do Mar Irlandês. Não é possível ignorar a longa relação entre a ilha da Britannia
e a Hibernia¸ atual Irlanda. Os contatos entre as ilhas podem ser percebidos desde muito antes
da dominação romana sobre a Britannia.
Quando olhamos para a arqueologia dessa região na Antiguidade Tardia, também
encontramos trocas materiais e, portanto, culturais, como demonstrado pelo desenvolvimento
de um tipo específico de broche, conhecido em inglês como peannular, datado como do século
IV e que foi encontrado em sítios arqueológicos tanto na Irlanda como na Grã-Bretanha.
Segundo Thomas Charles-Edwards (2013, p. 225-6), esse tipo de broche era, muito
provavelmente, um símbolo de status e se tornou uma linguagem compartilhada nos dois lados
do Mar Irlandês.
Outro elemento de cultura material que contribui para a nossa compreensão dos contatos
entre as Ilhas são as Ogham Stones, monumentos com inscrições em Ogham, alfabeto utilizado
com as primeiras formas da língua irlandesa (SANTOS, 2015, p. 2). Estes podem ser
encontrados na Irlanda, Ilha de Man, Escócia, País de Gales e Inglaterra. Algumas dessas
inscrições, no entanto, são diferentes, pois apresentam um caráter bilíngue/biliteral, ou seja, em
Ogham e em Latim. Dentre as centenas de inscrições em Ogham, trinta e três são bilíngues e
são encontradas no País de Gales, Devon, Cornualha e Ilha de Man.
3
Embora haja uma longa discussão sobre a origem da escrita Ogham que não pode ser
abarcada satisfatoriamente neste trabalho, a existência desta tradição em ambas as Ilhas atesta
para diversos grupos étnicos dividindo, negociando e disputando suas identidades na região
durante o período da Antiguidade Tardia. Como afirma Charles-Edwards (2013, p. 174), a
presença de irlandeses na Britannia não precisa ter ocorrido devido à uma migração em massa,
mas a presença de vestígios de uma elite falante do irlandês corrobora para a imagem de um
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contato constante e ativo o suficiente para a adoção de aspectos culturais irlandeses na
Britannia.
Além desse grupo, Gildas narra o constante contato entre britânicos com pictos que,
juntamente com os escotos, invadiam e pilhavam a Britannia por gerações. O clérigo ainda
afirma que pictos e escotos seriam "gentibus transmarinis", nações ultramarinas (GILDAS, De
Exc., 14.1. p. 93.). Contudo, pictos são normalmente localizados na região norte da Ilha, um
grupo que tem suas origens e características ainda muito discutidas. No início da conquista
romana da Ilha da Britannia, o historiador Tácito, escrevendo por volta de 98 d. C., se refere à
esta região como Caledônia, no entanto, habitada por britanni, ou seja, britânicos.
Dessa forma, não era feita uma distinção entre os britânicos do sul e os do norte. Isto se
repete também na obra de outro historiador, Dião Cássio, escrita mais de um século depois.
Ainda que este autor acrescente a divisão dos britânicos do norte entre caledônios e maetae,
estes continuam sendo britanni (SCHUSTER, 2012, p. 30). É apenas no final do século III, no
Panegírico de Constâncio VIII, do ano de 297, que ocorre o primeiro registro conhecido do
termo picto, passando a ser cada vez mais utilizado (Ibidem, p. 12).
Existe ainda um desacordo entre os especialistas sobre o termo em Latim picti, se este
seria uma latinização de um termo nativo ou apenas o modo como os romanos se referiam a
estes povos (YORKE, 2009, p. 47). A formação dessa identidade parece ter ocorrido ao longo
de um processo de enfrentamentos com os romanos, nos quais esses povos dispersos ao norte
da Ilha teriam se unido e a partir da consciência de suas similaridades frente a um inimigo em
comum, construído certa identidade unitária. Assim, a identidade dos pictos como um grupo
parece ter sido o resultado da fronteira romana, assim como ocorreu com outros povos no
Continente (CHARLES-EDWARDS, 2013, p. 36).
Podemos inferir que nem todos os elementos da cultura que compreendemos como
romana foi apagada da vida dos habitantes da ínsula, mesmo um século após a retirada do
Império da região. Ainda assim, mudanças ocorreram constantemente, principalmente devido
ao intenso contato entre britânicos e esses outros grupos populacionais. Além disso, ao longo
do século V vemos na Ilha o assentamento de povos que conhecemos como anglo-saxões que
teriam sido convidados pelos próprios britânicos como Foederati para auxiliarem na proteção
contra ameaças externas. Estes grupos, contudo, após se estabelecerem principalmente no lado
oriental da Ilha, iniciaram um processo de conquista de território que, aos poucos, abarcou boa
parte da região leste.
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Portanto, por mais que Gildas, ao escrever no século VI sua carta, se dirija ao seu
provável público como sendo britânicos, ou melhor, se refere à região de uma maneira
generalizante, como se a Britannia fosse uma personagem por si só, não podemos esquecer que
seu contexto não era formado por um grupo homogêneo de pessoas. É preciso que a ideia de
uma completa homogeneidade entre os habitantes da Ilha seja desconstruída. Mesmo que
algumas fontes apontem para esse caminho, um olhar mais cuidadoso sobre elas será capaz de
perceber que não havia uma única identidade ou, como afirma Richard Miles (2002, p. 3), suas
identidades estavam em constante estado de fluxo e desenvolvimento.
O que podemos inferir é que Gildas tinha como grupo alvo de suas críticas os que
considerava como seus compatriotas e, devido a situação que verificamos na Ilha no momento
de escrita do clérigo, no qual os povos anglo-saxões consolidavam o seu assentamento na parte
leste da insula, é provável que a narrativa do autor possa ser melhor aplicada para o contexto
da região oeste da Ilha.
Consequentemente, quando neste trabalho nos referimos à Britannia, compreendemos
como esta sendo a denominação da região da qual Gildas parece fazer parte: a região Oeste da
Ilha, especificamente o País de Gales e o Condado da Cornualha, região que, durante seu
período como parte do Império, estava inserida na província romana chamada de Britannia
Prima. Na qual viviam britânicos descendentes de cidadãos do Império, de cerca de quase dois
séculos antes, mas também escotos advindos da Irlanda e até mesmo indivíduos que
compartilhavam de diferentes heranças, tanto genéticas
4
como culturais. Além destas questões
de identidade, outro aspecto da vida de Gildas precisa ser explorado: sua inserção no mundo do
Cristianismo, como veremos a seguir.
Christiana Civilitas: comunidades cristãs e a Britannia na Antiguidade Tardia
A Antiguidade Tardia, assim como outros períodos históricos, não pode ser pensada de
uma maneira estática. A movimentação de sujeitos históricos faz parte da História e no caso do
Império romano, este construiu um ambiente que em grande medida ampliou esta mobilidade
entre o seu território. Sabemos que a expansão do poder romano sobre parte do mundo na
Antiguidade teve como uma de suas características o desenvolvimento de redes de contato entre
diferentes regiões, representadas também pela construção de estradas que poderiam levar
indivíduos ou grupos de um canto do Império para o outro. Afinal, conforme o exército romano
conquistava determinadas regiões, ele construía estradas e pontes, sendo estes alguns "dos mais
visíveis sinais da ocupação romana" (LEYERLE, 2009, p. 120).
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Mas, além de servirem como um sinal da presença do poder de Roma, as estradas foram
essenciais para os negócios do Império, auxiliando nos procedimentos burocráticos, fiscais e
também militares. Dessa maneira, milhares de pessoas circulavam entre as várias províncias
romanas e até mesmo além, cada qual com seus propósitos, fosse econômico, social, cultural
ou até mesmo políticos. Acima de tudo, o desenvolvimento de estradas e outros meios de
transporte era vital para a comunicação entre a capital e suas províncias (LEYERLE, 2009, p.
110).
Talvez facilitadas por esta estrutura, no âmbito do Cristianismo, as viagens, que faziam
parte deste desde o seu fundamento, continuaram também na Antiguidade Tardia, com
pregadores itinerantes que criavam diversas ecclesiae, isto é, comunidades de cristãos, que
dependiam do constante fluxo de visitantes para seu apoio material e ideológico (Ibidem, 2009,
p. 112). Muito provavelmente este caráter migratório auxiliou no desdobramento do
Cristianismo ao longo do período Tardo Antigo (WOOD, 2005, p. 710). Indo de cidade em
cidade, os cristãos propagavam sua crença, fosse de maneira intencional ou não. Também dessa
forma, é provável que o Cristianismo tenha chegado ao Ocidente, "não por meio de missões
sistemáticas, mas antes por cristãos viajando por outros motivos e que proclamavam a sua fé
para quem encontravam." (DE PAOR, 1993, p. 8).
Ao longo deste período esta religião passa a ser uma forma de identificação entre
indivíduos de diferentes regiões do mundo. Essa identidade cristã parece ultrapassar os limites
tanto do Império romano como de outras unidades políticas, criando uma comunidade que
embora ampla, mantinha contato entre si de forma constante. Wilfred Cantwell Smith (1993)
considera este recorte temporal como pertencente ao que ele denomina de scriptural movement,
em referência às várias tendências religiosas do Oriente Próximo dos primeiros séculos da era
de Cristo até a Antiguidade Tardia, que foram chamadas por Max Muller de religions of the
book (MULLER apud STROUMSA, 2008, p. 65-6).
Dessa forma, neste período, podemos ver diversas religiões que tinham no livro uma
importante ferramenta de adoração e legitimação. Não devemos, no entanto, acreditar que a
importância atribuída às Escrituras Sagradas fazia parte apenas do Cristianismo, sendo que esta
teve uma origem muito anterior. Ainda assim, o uso de livros foi parte significativa da
caracterização e do crescimento da religião cristã. Como afirma Guglielmo Cavallo (1995, p.
135-6), "O Cristianismo, de fato, considerava o códice escritural [bíblico] meio de difusão da
palavra divina". Embora a concepção dos livros que compõem o que conhecemos hoje como
Bíblia tem uma história própria e a construção da sua canonicidade tenha sido um processo
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longo e permeado também de conflitos internos, as Escrituras Sagradas serviram como um
parâmetro que auxiliou na construção de comunidades cristãs, fornecendo elementos de
identificação entre diferentes pessoas, locais e períodos (PINHEIRO, 2013, p. 297-8).
Com a importância dada aos livros sagrados, vemos também a movimentação de um
grande fluxo de outros escritos além da Bíblia. Para Guy Stroumsa (2008, p. 68), foi no meio
monástico que tal movimento foi mais presente e no qual "uma nova cultura do livro nasceu".
Ainda assim, nos círculos cristãos, as obras dependiam basicamente de um sistema de troca
"entre uma elite alfabetizada, [...] seja leiga ou clerical" (WILLIAMS, 2006, p. 243).
Um bom exemplo de autor que integrava esta comunidade textual que se fortificou com
o Cristianismo foi Jerônimo, um religioso que nasceu em Estridão, perto de Aquiléia, na região
da Dalmácia, por volta de 347 d.C., mas que viajou para diferentes regiões do mundo romano
e escreveu inúmeras obras, assim como diversas cartas, (FARMER, 2004, p. 451) nas quais é
possível encontrar menções da constante circulação de textos no seu contexto. Também inserido
na cultura de troca de presentes, este autor dedicava boa parte de suas obras para pessoas
específicas, geralmente patrocinadores de seus escritos. Segundo Megan Hale Williams (2006),
a habilidade com que ele inseriu esses trabalhos na economia da troca de presentes entre as
elites romanas tardias foi recompensada tanto com um público ávido quanto com o apoio
financeiro para suas atividades literárias” (p. 234-241).
É a partir dele também que podemos pensar na conexão mais específica entre a Ilha da
Britannia com outras partes do Mediterrâneo. Por volta de 397 d.C., Lucinus da Bética enviou
um grupo de seus escravos para Belém, a fim de copiarem toda a obra de Jerônimo, e trazerem
consigo os escritos do autor para a região da Hispania. A partir daí, Lucinus poderia
disponibilizar estes textos para serem copiados por outros membros do clero, aumentando sua
circulação. Além deste caso em particular, encontramos nas cartas de Jerônimo vários outros
exemplos deste tipo de circulação e da criação de uma série de laços entre Belém e monges,
padres e bispos na Gália, Norte da África e outras regiões (WILLIAMS, 2006, p. 245-247).
Outro caso é apontado por Sidônio Apolinário,
5
bispo de Clermont-Ferrant na Gália, no
século V, ao escrever para seu amigo Faustus, afirma que o deixa “agravado a ofensa de que,
ao atravessar Auvérnia” um padre a caminho da Britannia, carregando consigo escritos de
Faustus, teria ficado na cidade por dois meses, sem divulgar, no entanto, que possuía tais livros.
Sidônio descreve então como teve que perseguir o padre após descobrir sobre os textos,
juntamente com vários escribas que ao o alcançarem, começaram prontamente as suas cópias
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(SIDONIUS APOLLINARIS, Epistola 9.9.6.). A partir desta narrativa, percebemos como
textos poderiam se movimentar entre os círculos eclesiásticos ao longo da Antiguidade Tardia.
Juntamente com esta circulação de indivíduos, livros e outros documentos, ideias e
concepções de mundo também se movimentavam e se espalhavam por diversas localidades
criando redes de contato e de identificação entre indivíduos que possuíam, de maneira
primordial, o Cristianismo como elementos de união. Essa ideia de uma comunidade universal,
unida pela fé cristã e que ia além dos limites do mundo romano, parece ter chegado também à
Britannia de Gildas.
O historiador S. T. Loseby (2000, p. 319) afirmou em um de seus textos que durante os
séculos IV e V a "Britannia teria, de fato, derivado para a periferia da civilização" do período.
Contudo, tal afirmação levanta algumas problemáticas. Afinal, a Ilha estaria em uma posição
periférica em relação a que centro? O que e quem define este centro? Novamente podemos
perceber a análise de questões feitas partindo da ideia de Roma, ou o Império romano de
maneira mais geral, como o centro dos acontecimentos. Como já discutido aqui, acreditamos
ser necessária uma abordagem que pense os Mundos Tardo Antigos como interligados ao
mesmo tempo em que analisamos contextos mais específicos. O Cristianismo, partindo da ideia
explorada acima, da religião como formadora de uma comunidade cristã que ia além de limites
geográficos e políticos, é uma forma de analisarmos o contexto da Britannia como participante
da tardo antiguidade e não como região periférica e isolada.
Na Britannia é provável que o Cristianismo tenha chegado da mesma forma como a
religião se espalhou pelo continente. Conforme afirma Liam De Paor (1993, p. 9), muito antes
da dominação romana da Ilha em 43 d.C. já havia um considerável comércio entre a região e o
resto do mundo antigo. Por meio dessas rotas comerciais, indivíduos circulavam e levavam
consigo suas crenças e culturas.
Contudo, não é possível delimitar com certeza quando as práticas cristãs começaram a
aparecer na Britannia. As primeiras menções sobre isto foram feitas por Tertuliano e Orígenes,
ambos teólogos do Norte da África, e que afirmavam, por volta do ano 200 d. C., que "o
Cristianismo era praticado em partes da Britannia fora dos assentamentos romanos" e, ainda,
que seu crescimento fora tão grande que Orígenes se referia a ele como uma "força unificadora"
(ALCOCK, 2011, p. 141). Embora tais indivíduos estivessem falando de uma região tão
distante da Ilha, a menção por si só nos permite inferir a existência do Cristianismo na Britannia
já no século III d. C..
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Ainda assim, por meio da documentação disponível é possível perceber que a instituição
da igreja perpassou por um processo de organização desde a sua chegada na ilha britânica.
Durante o período imperial essas instituições se baseavam normalmente nas províncias, com a
sé episcopal localizada na capital de cada civitas. É de se esperar que essa estrutura tenha se
mantido dessa forma, pelo menos em algum nível, durante a Antiguidade Tardia, embora não
completamente (DE PAOR, 1993, p. 15-16).
Quando falamos sobre o Cristianismo na Britannia, novamente a sua relação com a Ilha
vizinha precisa ser lembrada. De acordo com Charles-Edwards (2013, p. 182), a emergência de
uma comunidade cristã na Irlanda no século V foi contemporânea às invasões e assentamentos
irlandeses na Britannia. As autoridades eclesiásticas na Irlanda, segundo De Paor (1993, p. 4),
seriam indivíduos advindos tanto da Britannia como da Gália, o que atesta para uma conexão
entre essas regiões.
Portanto, mesmo que muitas vezes seja afirmado que a Irlanda não foi dominada pelos
romanos e, assim, não sofreu nenhum tipo de influência, isso não significa que aspectos da
cultura romana, existentes na Britannia, não tenham sido trocados com os habitantes da então
Hibernia. O contato entre essas duas Ilhas pode ser visto como constante, tanto de maneira
hostil como amistosa, e permitiu uma troca de ideias, objetos e culturas de forma bilateral, isto
é, ambos os lados contribuíram nessa troca. Então, nem a Irlanda foi apenas romanizada por
meio da Britannia, nem esta foi apenas celticizada pela Irlanda.
Mas, é interessante pensar que, no tempo de Gildas, o Cristianismo já era praticado na
Irlanda, sendo um britânico, São Patrício, grande contribuidor dos processos de evangelização
da Ilha da Hibernia algumas décadas antes do provável nascimento de Gildas, c. 500. Ainda
assim, este não menciona nada relacionado à isto e, ainda, trata escotos (irlandeses) como um
povo externo, bárbaro, pagão e inimigo dos britânicos. Talvez isso se deva à uma tentativa de
Gildas de criar uma narrativa de unidade britânica, principalmente sob um viés cristão. Para
isso, era necessário delimitar de maneira contundente o outro, o diferente, o inimigo. Devido à
antiga prática de ataques irlandeses à Ilha da Britannia e da possível ameaça às dinastias
britânicas (se considerarmos os prováveis assentamentos e até mesmo o comando de reinos por
irlandeses que se estabeleceram na região, como apontado por Charles-Edwards), é possível
inferir que não seria interessante para os objetivos da narrativa de Gildas, naturalizar a presença
e o poder de indivíduos que não fossem britânicos na região.
Na sequência, buscaremos refletir um pouco mais sobre a relação da Britannia com a
Hibernia e o Continente, por meio de uma breve análise de três personagens cristãos: Patrício,
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Pelágio e Gildas, sendo que cada um estabelece um tipo de relação diferente entre a Ilha e o
resto do mundo.
Patrício, Pelágio e Gildas: entre o mar irlandês e o continente
Embora saibamos ainda menos sobre a inserção do Cristianismo na Hibernia, duas
personagens são muito importantes para pensarmos sobre a religião na Ilha, Paládio e Patrício.
Próspero de Aquitânia, em sua obra Epitoma Chronicon, relata que Paládio teria sido enviado
pelo então Bispo de Roma, Celestino, "aos irlandeses que creem em cristo" por volta do ano de
431 (SANTOS, 2012, p. 73). Dessa maneira, nos parece que o clérigo não foi enviado
necessariamente numa missão de evangelização, mas sim para auxiliar e, talvez, solidificar uma
congregação cristã já existente na região, seja qual fosse o seu tamanho.
Segundo Charles-Edwards, o possível motivo desse envio tenha sido a provável ameaça
do pelagianismo, heresia que se espalhava por várias partes do mundo antigo e que será
trabalhada logo mais. Seja lá qual fosse a intenção por trás do envio de Paládio à Irlanda, o que
neste relato nos interessa é o fato dele apontar para a relação entre as igrejas de Roma e da
Hibernia.
Patrício corrobora para a conexão entre Hibernia e Britannia. Este foi um clérigo
nascido na Britannia e que auxiliou na expansão da religião nas Ilhas Britânicas. Segundo R.
P. C. Hanson (1997, p. 35), no período no qual ele vivia, o Cristianismo era praticado por grande
parte dos britânicos, já que era associado à cidadania romana. A família de Patrício parece
indicar uma presença constante de práticas cristãs ao longo de diferentes gerações, sendo seu
avô um presbítero e seu pai diácono (SANTOS, 2007, p. 107). Tendo sido sequestrado com
dezesseis anos por piratas e levado para ser vendido como escravo na Irlanda, Patrício viveu na
região por cerca de seis anos até conseguir retornar à Britannia. Em 432 teria decidido voltar
para a Irlanda afim de exercer uma missão evangelizadora.
6
Durante seu período como evangelizador dos irlandeses, o clérigo teria escrito pelos
menos dois documentos sobre os quais temos conhecimento na atualidade. O primeiro é
conhecido como Confessio que, segundo Dominique Santos, teria sido escrito já no final de sua
vida, por volta do ano 450 d.C. (2007, p. 107). Esta seria uma espécie de autobiografia, na qual
o autor discorre sobre os problemas e desafios que enfrentou em suas diversas viagens, assim
como um pouco sobre a sua personalidade (SÃO PATRÍCIO, Confessio). O segundo, Epistola
ad Milites Corotici, é uma carta aberta escrita para Coroticus, um chefe de soldados que
perseguia, matava e aprisionava os cristãos irlandeses, entregando-os para pictos, povo não-
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cristão que habitaria a região que na atualidade corresponde à Escócia (SÃO PATRÍCIO,
Epistola ad Milites Corotici).
Na Confessio, Patrício busca se defender de acusações de que ele havia ido para a Irlanda
com o propósito de ganhar dinheiro com a sua pregação. Os acusadores parecem ter sido
membros do clero britânico e, para Santos, Patrício parece respeitar a autoridade destes
inquisidores, já que em nenhum momento questiona o ato de crítica cometido por eles (2008,
p. 58). Temos então uma relação estabelecida entre a Igreja na Britannia e na Irlanda, sendo
Patrício um dos elementos fundadores desta conexão.
Além desta relação com a Ilha vizinha, segundo David Petts (2004, p. 73), a igreja
britânica na Antiguidade Tardia é vista como tendo "fortes laços (teológicos, artísticos e
institucionais) com a parte sul e oeste da França, o Mediterrâneo e, por fim, com o Mundo
Bizantino por meio das via marítimas do Atlântico". Portanto, é possível assumirmos que
durante o século quarto, a igreja britânica era vista como parte da mais ampla igreja romana.
Ao longo do século IV podemos indicar, por exemplo, a participação ativa de clérigos britânicos
em eventos da Igreja no Continente. Dois exemplos são o Sínodo de Arles, chamado pelo
Imperador Constantino no ano de 314 e que contou com a presença de, pelo menos, três bispos
britânicos. E novamente em 359, no Sínodo de Rimini, convocado por Constâncio II, contamos
também com a presença de três bispos, provavelmente das mesmas sés dos que compareceram
em Arles (CHADWICK, 1961, p. 14).
Outra personagem que participa de ativas discussões eclesiásticas no Continente mas é
indicada como de possível origem britânica foi Pelágio, (c. 350 - c. 418 d.C.), um teólogo e
reformador ascético. Defensor de um modo de vida austero, este eclesiástico é atribuído como
o criador de um movimento que foi considerado como herético por outros setores da Igreja
Cristã, o pelagianismo. Este que, por si só, é um exemplo da conexão de acontecimentos entre
a Ilha da Britannia e o Continente, não pode ser percebido como um movimento organizado,
mas consistiu, na realidade, de diversos indivíduos e suas ideias associadas à Pelágio e
rejeitadas pela Igreja (WEAVER, 2018, p. 1155). Algumas das principais convicções destes
estavam relacionadas com a ideia de graça, predestinação (SANTOS, 2008, p. 49-50) e ao livre
arbítrio como um "presente divino e duradouro" (WEAVER, 2018, p. 1155).
Embora o foco das discussões quanto ao pelagianismo tenha ocorrido no Continente,
alguns documentos históricos afirmam que haveria na Britannia, em meados do século V, uma
gradual adoção aos ideais defendidos por Pelágio e seus seguidores. Para combater esta heresia,
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Germano, Bispo de Auxerre e Lupus, Bispo de Troyes, são enviados para a Ilha (PETTS, 2004,
p. 75).
De acordo com Dumville (1997, p. 87), o pelagianismo teria tido uma particular
significância para os cristãos britânicos, sendo que esse movimento teria uma relação com as
ilhas britânicas de duração e importância incerta após 430 d.C.. Contudo, para este autor seria
significativo que na região do sudeste da Gália, as práticas monásticas teriam simpatizado com
alguns dos ensinamentos de Pelágio até, pelo menos, o século VI. Conforme vimos, a Britannia
mantinha um constante contato também com a Gália e, ainda, como será explorado a seguir,
existe uma possível relação entre os movimentos monásticos das duas regiões.
Contudo, ainda que a Britannia e a Gália tenham mantido considerável contato, não
podemos afirmar que as práticas cristãs fossem idênticas nas duas regiões. Dumville (1997, p.
89-90) argumenta que o tamanho da Britannia e seu caráter insular teriam permitido um nível
de homogeneidade social que facilitaria a aceitação do Cristianismo de uma forma que não teria
ocorrido na Gália. No entanto, acreditamos que tal consideração pode ser um pouco precipitada.
Como já afirmado, a Britannia nunca foi habitada por grupos completamente homogêneos, nem
antes, durante, ou depois da dominação romana. Portanto, por mais que a Ilha seja uma região
mais delimitada, isso não significa que a religião cristã tenha sido aceita facilmente ou de
maneira uniforme por todas as partes da ínsula.
Ainda assim, percebemos que após a retirada administrativa romana da Ilha, que
tradicionalmente é vista como ocorrendo na primeira década do século V, o Cristianismo é um
dos elementos de continuidade e permanência com o passado provincial britânico, sendo que a
obra de Gildas, escrita não mais de um século depois, atesta para a existência de um clero
atuante na região.
O historiador Michael Lapidge assinala a importância de tentarmos compreender um
pouco melhor a educação pela qual Gildas teria passado. Para este autor, a formação do clérigo
teria sofrido uma maior interferência da educação latina romana e não de uma educação
primária eclesiástica já que, de acordo com Lapidge (1988, p. 31), em uma escola episcopal os
estudos de textos clássicos e de retórica não eram foco principal. Estes dois pontos são
identificados pelo autor ao comparar partes da De Excidio com partes de autores clássicos,
como Virgílio, autor da Eneida e principal base para o ensino do Latim em Roma (LAPIDGE,
1988, p. 28). Portanto, Gildas teria recebido uma educação privada de um rethor, função
responsável também pela educação dos jovens romanos.
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O que é possível afirmar é que, ao analisarmos sua narrativa, percebemos que Gildas
estava profundamente inserido em uma cultura cristã. Mas, contrário à ideia de que a igreja na
Britannia era completamente diferente da Continental, ou romana, Gildas evidencia uma
constante relação entre as comunidades religiosas na Antiguidade Tardia, o que não descarta as
especificidades e diferenças de cada região.
Assim, um ponto que legitima o constante diálogo entre Britannia e Continente, é o fato
de que o próprio Gildas afirma que, para escrever sua epístola, utilizará não "resquícios de
escritos nativos, uma vez que, se existiram, ou foram queimados por inimigos ou removidos
pelos cidadãos quando foram para o exílio", mas sim "relatos estrangeiros, que têm frequentes
lacunas não sendo claras o suficiente" (De Exc., 4.4)
7
. Com isso, podemos inferir que ele tinha
acesso à obras escritas por autores do Continente.
Alguns estudiosos já se dedicaram a executar um exame atento de empréstimos e
reminiscências verbais na De Excidio Britanniae que podem revelar algumas das obras que
Gildas conhecia. Os livros da Bíblia são, de maneira contundente, a fonte principal do autor, na
qual este baseia sua narrativa, tanto num sentido estético, como trabalhado pela historiadora
Karen George, que assinala a utilização tanto da "repetição simétrica" quanto do "paralelismo",
ambas utilizadas por Gildas e consideradas por David Howllet como principais "estilos
bíblicos"; mas também moral, indo ao encontro da cultura literária cristã de seu período
(GEORGE, 2009, p. 2). De acordo com Luca Larpi (2008, p. 99), as citações da bíblia
representam uma parte importante da De Excidio, cerca de 25% de todo o texto e, além disso,
essa tendência de utilizar os livros da Bíblia como testemunhas de seu relato pode ser observada
em muitos outros autores cristãos, como João Cassiano, Salviano, Cipriano de Cartago, entre
outros.
Mas, não apenas textos das escrituras eram utilizados por clérigos no momento de
criação de suas próprias narrativas. Como já observado por diversos autores, dentre eles
Theodor Mommsen, François Kerlouégan e Neil Wright, é possível detectar diferentes níveis
de referência a outros textos, tanto clássicos como religiosos na escrita de Gildas, ainda que não
possamos determinar de maneira contundente de que forma o autor teve acesso a estas obras,
nem mesmo todos os escritos que ele consultou.
Wright (1991), partindo de análises anteriores, cria um "index scriptorum" indicando os
autores e obras que teriam sido utilizadas pelo autor britânico, assim como os trechos
específicos dos quais Gildas teria se utilizado em forma de citações, imitações e ecos, conforme
indicado por Wright. Dentre várias possíveis referências encontradas no seu texto, a utilização
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da Eneida de Virgílio, como afirmado anteriormente, é inegável, já que o autor cita em diversas
ocasiões, se utilizando da fórmula introdutória ut dicitur, principalmente passagens do Livro II
da Eneida, o que, segundo Wright (1991) pode estar relacionado com o tema da destruição de
Tróia encontrado neste volume, sendo este uma boa fonte para as vívidas imagens verbais que
caracterizam o seu texto.
No entanto, talvez mais revelador, pelo menos para os objetivos desta pesquisa, seja a
utilização de outros autores e obras ligadas ao Cristianismo, como João Cassiano (c. 360 - 435),
Tiberius Claudius Donatus (c. 430s), Evágrio (c. 346 - 399/400), Jerônimo (c. 347 - 420),
Juvenco (séc. IV), Paulo Orósio (c. 385 - 420?), Prudêncio (c. 348 - 410), Rufino de Aquiléia
(c. 340/345 - 410), Célio Sedúlio (primeira parto do séc. V?), Sulpício Severo (c. 363 - 425) e
Victricius de Rouen (c. 330 - 407). Autores que teriam vivido e escrito cerca de um século antes
do nascimento do próprio Gildas e em regiões que vão desde a Hispania até Belém na Palestina.
É importante destacarmos que no período de Gildas já não mais encontramos a Britannia
sob o poder do imperium dos romanos, ainda que o autor pareça acreditar que estes são
superiores aos britânicos, principalmente quanto ao aspecto militar. O autor aparenta conectar
a Britannia a uma ideia de civilização ligada agora a visão de Christianitas, de pertença a uma
comunidade que ia além dos limites da Ilha, mas também além do que havia sido o Império
romano do Ocidente.
Nesse sentido, outro aspecto que parece ligar a Hibernia e a Britannia, tanto entre si
como com o resto do Mundo Antigo e Tardo Antigo é o monasticismo. Segundo Dumville
(1997, p. 85-86), o monasticismo pode ser percebido como um elemento significante para o
desenvolvimento do Cristianismo nas ilhas britânicas durante os séculos VI e VII. Porém,
embora práticas cristãs em si não fossem algo inédito na Britannia do século VI, é difícil
estabelecer quando o movimento monástico começou a ser praticado nessa região e por qual
via este chegou até a Ilha.
Para Dumville (1997, 86), o monasticismo gaulês seria a provável fonte do
monasticismo na região insular e parece ter surgido na segunda metade do século IV. Ainda de
acordo com este autor, haveria na Gália duas vertentes monásticas sendo praticadas na região
antes de 500 d.C. Uma estava associada à Martinho de Tours e seus discípulos, sendo mais
presente na região oeste e Sulpício Severo e Victricio de Rouen seus principais escritores. Já a
outra, estava centrada nos monastérios de Lérin e Marselha além de outras partes da costa
sudeste da Gália. Seus principais representantes seriam João Cassiano, Hilário de Arles e
Vicente de Lérin.
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João Cassiano, com suas obras Institutes e Conferences, com seu caráter comparativo
da vida em diferentes tradições monásticas do deserto na cristandade oriental, pode ter sido um
dos pontos de influência do monasticismo na região insular, sendo que é possível que tanto
Patrício quanto Gildas tenham tido acesso à esse autor de alguma forma (HERBENICK, 2000,
p. 15). Martinho de Tours também pode ter influenciado a Ilha. Ele seria ex-militar romano,
monge e, mais tarde, bispo de Tours no século IV, e grande responsável pelo monasticismo do
que é hoje a região nordeste da França, sendo a sua vertente relativamente intolerante ao
paganismo, com estratégias de conversão como a destruição de templos e ídolos pagãos.
Embora não exista uma ligação direta entre Martinho e a Britannia, afinal esse provavelmente
nunca visitou a Ilha, alguns de seus discípulos podem ter sido responsáveis pela influência desse
movimento na região do Mar Irlandês (DARK, 2011, p. 30). Como foi o caso de Victricio de
Rouen, que teria visitado a Britannia por volta de 400 d.C. por causa de uma disputa eclesiástica
e, possivelmente, além de ter participado de uma troca cultural com outros clérigos britânicos,
pode ter também contribuído com a circulação de escritos de autores do Continente
(DUMVILLE, 1997, p. 86-87).
Quanto a obra de Gildas, podemos inferir que, ao escrever a De Excidio, o autor tinha
em mente pelo menos dois grupos no âmbito eclesiástico. Um deles, de acordo com Dumville
(1997, p. 97), seriam os pastores, irmãos na fé de Gildas e que "podemos assumir que faziam
parte do clero secular" e estes seriam paucissimi, muito poucos. O outro grupo seria aquele que
Gildas afirma louvar e preferir acima de "todas as riquezas do mundo. Se assim for, desejo e
tenho sede de participar dessa vida por algum tempo antes de morrer" (De Exc., 65.2).
8
Como
ele já fazia parte do clérigo secular, possivelmente como diácono, como visto anteriormente,
podemos inferir que ele estivesse se referindo às ordens monásticas (DUMVILLE, 1997, p. 97).
Para Raymond Herbenick, David Dumville e Lesley Whiteside, também Patrício parecia
estar ciente da existência de uma ética monástica tradicional dos Pais do Deserto no Egito,
inclusive de suas biografias e escritos, sendo que, embora ele aparente não fazer parte de
nenhuma ordem monástica, é possível perceber uma postura ética e espiritual monástica nos
escritos de Patrício (HERBENICK, 2000, p. 15).
Além disso, segundo Dumville (1997, p. 93-94), antes do final do século V, Patrício
estaria introduzindo alguns dos seus irlandeses convertidos à vida monástica.
Embora não
possamos afirmar que o bispo tenha sido o primeiro a incentivar o movimento na Irlanda,
podemos supor que ele teria se tornado familiar com a teoria e a prática do monasticismo
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durante o seu treinamento eclesiástico na Britannia, não mais tarde do que no meio do século
V.
Ainda que não possamos afirmar que o contexto da Britannia pós-romana seja
exatamente o mesmo de outras regiões na Antiguidade Tardia, os habitantes remanescentes na
Ilha não passaram, de um dia para o outro, a ter uma vida nos estilos pré-romanos e
completamente nativo, mas compartilhavam de uma cultura "romano-cristã" (DARK, 2011, p.
53), faziam parte também da Christiana Civilitas e foram transformando tal sociedade aos longo
dos séculos V e VI. Quando falamos em identidade, é importante destacarmos que este é um
conceito complexo e que tem recebido diferentes contribuições tanto da historiografia como
das Ciências Humanas de maneira geral. Conforme afirmou Robert Ree Davis (1995, p. 8-9),
identidade "é relacional; é a alteridade que, geralmente, melhor serve para [...] salientar
identidades". Dessa forma, é a percepção do outro que afeta a identificação de alguém com a
sua própria comunidade (POHL apud SCHUSTEREDER, 2013, p. 39). Além disso, diferentes
aspectos podem compor identidades variadas, tanto no âmbito individual como no social. A
construção identitária, considerando as afirmações de Denys Cuche (1999, p. 182), deve ser
localizada "no interior de contextos sociais que determinam a posição dos agentes e, por isso
mesmo, orientam suas representações e suas escolhas". Desta forma, elas são sempre dotadas
de uma eficácia social e produtoras de efeitos sociais reais.
Nesse sentido, as construções de identidades religiosas, seja lá quais fossem estas,
também afetavam a vida social e política de indivíduos por todo o Mundo Tardo Antigo.
Conforme afirma Isabella Sandwell (2007), o que significa ser membro de uma religião
pode ser construído em relação ao que significa ser membro de outra religião, a interação
religiosa é sempre um p-requisito para a existência de identidades religiosas” (p. 3-4).
Portanto, as identidades cristãs são construídas em face às outras religiões, mas também
em relação as diferentes práticas do Cristianismo que existiam ao longo da Antiguidade e
Antiguidade Tardia. Assim, quando analisamos o discurso de Gildas quanto aos que ele
considera como seus iguais podemos perceber a construção de uma identidade que valoriza o
"eu" em detrimento do "outro", isto é, o "cristão" versus o "pagão". Ao desenvolver essa
dinâmica identitária, algumas fronteiras podem ser ultrapassadas, afinal, se aqui o que delimita
a identidade é o Cristianismo, diferenças na localização já não são tão importantes. Romanos,
britânicos, galeses, entre outros, compartilhavam esta identidade que está ligada à religião
cristã. Ainda assim, talvez isto seja um tanto simplificado. O próprio Cristianismo no século VI
estava longe de ser uma prática completamente regulamentada e homogênea em todos os
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territórios Tardo Antigos. Isto não quer dizer que esses indivíduos não se identificassem com
outros praticantes da mesma fé, ainda que em relação à outros aspectos suas identidades se
distinguissem.
Como vimos ao longo deste trabalho, a Britannia foi um território habitado por
diferentes grupos que também passaram por transformações e adaptações nas suas culturas e
identidades. Assim, Gildas e o mundo do qual ele fazia parte, foi analisado aqui como um
exemplo desse processo de rupturas e continuidades que caracteriza o período da Antiguidade
Tardia. Ao utilizar escritos de diferentes partes do mundo, tendo em comum com seus autores
a crença cristã, Gildas nos permite inferir quanto a formação de uma identidade cristã que vai
além de fronteiras físicas ou culturais.
Por fim, acreditamos que este artigo contribui para o debate quanto ao período da
Antiguidade Tardia, mas também para as pesquisas sobre Gildas e a Britannia no século VI.
Esperamos que a partir desta e outras análises possamos desenvolver formas de pensar esse
passado levando em consideração as transformações e continuidades que auxiliaram na
constante formação e reconstrução de identidades e culturas ao longo da História.
Nesse sentido, a personagem de Gildas representa uma Britannia da primeira parte do
século VI e, principalmente em relação à região Oeste, como um mundo que descende não
apenas de uma ou outra cultura, mas sim é o resultado de diferentes aspectos, situações e
indivíduos, das trocas culturais efetuadas por séculos não apenas entre habitantes da Britannia
e Roma, mas também entre os diferentes grupos que compunham essa região, assim como
grupos externos que entraram em contato com a Ilha em diferentes momentos e circunstâncias.
Agradecimento
Agradecemos à CAPES pelo financiamento através da bolsa e ao CNPq pelo fomento.
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29/03/2020.
Recebido em 31/03/2020.
Aceito em 25/05/2020.
1
Artigo desenvolvido a partir da versão final da Dissertação de Mestrado, realizada no junto ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal do Paraná. O presente trabalho foi realizado com apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq).
2
Gildas é uma personagem um tanto misteriosa. Diferentes autores têm debatido variados aspectos da sua vida,
desde a sua datação até sua localização. Ainda que algumas questões continuem em discussão, certas informações
podem ser colocadas aqui. Primeiramente, de acordo com Ken Dark, sabemos que Gildas fazia parte do clero
britânico, ainda que não exatamente em qual posição. Também é possível inferir que em algum momento após a
escrita da De Excidio ele teria virado um monge. A sua localização, tanto de nascimento quanto no momento da
escrita de suas obras, ainda permanece desconhecida. Mesmo assim, Nicholas Higham afirma que podemos indicar
a região Oeste da Ilha como mais provável para a sua localização. Por fim, a datação da De Excidio foi por muito
tempo debatida mas, segundo David Dumville, existiria um consenso de que o ano de circa 540 d. c. seria o mais
provável. Ver: DARK, Ken. Britain and The End of the Roman Empire. Reino Unido: The History Press, 2011. p.
35.; DUMVILLE, D.. The chronology of De Excidio Britanniae, book I. In.: LAPIDGE, M.; DUMVILLE, D.
(org.). Gildas: New Approaches. The Boydell Press: Suffolk, UK. 1988. p. 61.; HIGHAM, Nicholas. Old light on
the Dark Age landscape: the description of Britain in the De Excidio Britanniae of Gildas. Journal of Historical
Geography, 17, 4 (1991). p. 368-9.
3
Agradecemos ao Prof. Dr. Dominique Santos pela disponibilização de livro, resultado de seu Pós-Doutorado e
que ainda aguarda publicação. SANTOS, Dominique. Exchanges and Connections across the Irish Sea in Late
Antiquity - A Study of the Bilingual/Biliteral Roman-and-Ogham Inscribed Stones. 2018. No prelo.
4
Estudos sobre a herança genética de diferentes regiões do Reino Unido tem sido realizados e sugerem algumas
realidades interessantes. Sobre isso ver: LESLIE, Stephen et al. “The fine-scale genetic structure of the British
population” Nature vol. 519,7543 (2015): 309-314.
5
Sidônio foi uma personagem muito influente em seu contexto. Provinha de uma família nobre e foi o "último
galo-romano a ser Praefectus Urbi em Roma (468-9), [...] tamm foi responsável pela escrita de panegíricos para
três imperadores (Antêmio, Majoriano e Ávito)" este último sendo seu sogro. HARRIS, Jill. Sidonius Apollinaris.
In.: NICHOLSON, O.. The Oxford Dictionary of Late Antiquity. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 1379
6
É importante destacar, como afirma Santos, que "não temos como saber com certeza quando Patrício nasceu,
quando foi raptado, quando foi para a Irlanda. Todas as datas relacionadas a Patrício [...] são incertas e artificiais."
Portanto, a datação fornecida aqui é reconhecida como relativa e passíveis de alteração. SANTOS, D.. Patrício:
A Construção da Imagem de um Santo. 2012. 242 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de
Goiás, Goiânia, 2012. p. 74-79.
7
Em Latim: [...] quantum tamen potuero, non tam ex scriptis patriae scriptorumve monimentis, quippe quae, vel
si qua fuerint, aut ignibus hostium exusta aut civium exilii classe longius deportata non compareant, quam
transmarina relatione, quae crebris inrupta intercapedinibus non satis claret. p. 90.
8
Em Latim: [...] verum etiam cunctis mundi opibus praefero, cuiusque me, si fieri possit, ante mortis diem esse
aliquamdiu participem opto et sitio. p. 118.