Fronteiras: Revista Catarinense de História. DossFronteiras, migrações e identidades nos mundos pré-modernos. N 35, 2020/01
ISSN 2238-9717
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DOI: https://doi.org/10.36661/2238-9717.2020n35.11382
O mito e a cultura de memória Celtas: uma convergência de imaginários
The Celtic myth and memory culture: a convergence of imaginaries
Erick Carvalho de Mello
1
Resumo
Este artigo pretende debater o papel das
diferentes apropriações do que se entende por
“cultura celta” na formação das identidades
nacionais de grupos como irlandeses, escoceses
e bretões franceses. Neste intento, nós
procuramos identificar como o mito do celtismo
é construído na História recente e como a partir
deste mito uma cultura de memória é formada e
nos possibilita entender mais sobre os conflitos
históricos que esses grupos enfrentam hoje.
Apresentamos aqui um esboço teórico sobre o
assunto nos apoiando na formação histórica do
mito do celtismo e em como por uma
perspectiva da memória cultural esses
diferentes imaginários sociais convergem no
que podemos chamar de uma “invenção de
memória celta”.
Palavras-chave: Celtas; Memória; Celticismo.
Abstract
This paper aims to discuss the role of different
appropriations what we would call a “celtic
culture” through the construction of national
identities of groups such as the irish, scottish or
french Britanny. In this attempt, we seek to
identify how the myth of celticism is built
through recent History and how a celtic memory
culture is forged from this myth in a way that
enables us to understand more about the
historical conflicts that these groups face even
today.
We show here a theoretical outline on the
subject, grouding our main ideas in the
historical formation of this myth of celticism
and how from a cultural memory perspective
these different social imaginaries can focus in
what we could call an invention of celtic
memory”.
Key-words: Celts; Memory; Celticism.
Introdução
A chamada cultura celta ou qualquer elemento cultural que pode ser chamado de celta
guarda um mito próprio dentro de si. Esse mito muitas vezes é repleto de elementos quase
teatrais que demonstram, ao menos na experiência popular, um ar feérico e selvagem,
aventureiro e perdido no tempo. Um tempo coberto por brumas, pelas lendas ancestrais e
diversas outras formas de características folclóricas que tornaram ao longo dos últimos séculos
parte da identificação cultural de grande parte dos grupos nacionais irlandeses, escoceses e
bretões.
Podemos supor então que a base dessas identidades contemporâneas é inspirada em um
mito moderno resistente e plural em suas interpretações. O mito do celtismo ou do que
poderíamos chamar de imaginário cultural dos antigos celtas. Um passado de difícil
1
Doutor em Memória Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro -UNIRIO. Professor de
História e Sociologia da Secretaria do Estado de Educação do Rio de Janeiro. E-mail: carvalho.mello@gmail.com
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compreensão por sua pluralidade de usos e interpretações, o que vem desafiando arqueólogos,
historiadores, linguistas e demais estudiosos do campo.
E como bem podemos dizer, essa dificuldade reside em uma série de fatores que de
certo dizem mais a respeito dos “celtas” do presente que das populações da idade do ferro
européia. Bem verdade, todas as formas de se identificar um “ser celta” não é um problema do
século XXI, mas sim uma questão que se delimitou já no século XVIII, com referenciais de até
um século anterior. Estas definições gerais tomam forma mesmo no século XIX e se estruturam
contraditoriamente ao longo do século XX. Em outras palavras, existe uma convergência de
imaginários contemporâneos desse celtismo que constituem um mito moderno de
pertencimento (FIMI, 2017).
E quando falamos em um mito
1
moderno, nós temos em mente que este se estrutura com
uma capilaridade enorme ao longo das regiões da franja atlântica européia que advogam alguma
origem e pertencimento ltico (PITTOCK, 1999). Sua inserção ocupa diferentes dimensões
seja no plano material, mental e social e acabam por consolidar diferentes interpretações de
sistemas simbólicos modificando não apenas a qualidade do que é lembrado e identificado
como “celta”, mas principalmente como este elemento é lembrado ao longo da História recente.
E aqui começamos a tentar compreender minimamente como esses diferentes
imaginários convergem entre as diferentes visões do celtismo. Afinal, a diversidade com a qual
esse “imaginário celta” se comporta é notável e em uma primeira vista nos parece tão atraente
e confusa como uma “nebulosa celta”, tomando emprestado o termo que Jean-Louis Brunaux
(2014, p.17) usa para definir essa confusão de termos, definições, campos de estudo e até
mesmo pertencimentos étnicos recentes da História européia.
Os usos e abusos do passado e do modelo idealizado do celta encontram uma vasta
história entre compreensões de um panceltismo ao interceltismo
2
, de uma base romântica
(CHARTIER-LE FLOCH, 2013) a uma total difusão de elementos midiáticos que consomem
o elemento celta como mais um commodity entre tantos nos meandros das sociedades do século
XXI.
A questão aqui é compreender que essa nebulosa celta possuí uma lógica própria que se
alimenta de um passado comunicativo difuso, bem verdade, mas o entende e estrutura como
algo real com valores étnicos relacionados ao legado cultural de grupos distintos em meios
diversos como a literatura, o cinema, a internet (PITTOCK, 1999).
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A dificuldade apresentada aqui não é algo presente apenas nos debates dos últimos anos.
Reconhecemos que o celtoceticismo foi bem evidenciado por Malcolm Chapman (1992),
Simon James (1999) ou mesmo John Collis (2003) em trabalhos paradigmáticos em décadas
passadas. Uma citação conhecida sobre o assunto e anterior aos autores apresentados é retirada
de J.R.R. Tolkien (1983), popularmente conhecido como o autor de O Senhor dos Anéis, mas
que em seus estudos pessoais e acadêmicos de folclore mantinha certa cerimônia no uso dos
elementos culturais “celtas” justamente por compreendê-lo como uma grande sacola de
mágico” (TOLKIEN, 1983, p. 29-30) de onde se poderia retirar o que fosse e colocar o que
fosse sem maiores problemas.
Esse pensamento retirado das ideias de Tolkien em uma conferência proferida em
Oxford onde ele compara os ingleses e os galeses nos é aqui muito caro para a análise desse
histórico contemporâneo que delimitará o mito do celtismo, pois demonstra que esse
questionamento era uma preocupação de acadêmicos de décadas atrás. Antes mesmo de
analisarmos rapidamente a História do termo entre o passado de irlandeses, escoceses e bretões
ou mesmo de tentarmos esboçar um entendimento de uma cultura de memória que advoga um
pertencimento “celta”, nós buscaremos avaliar o “ser celta” em si no celtismo contemporâneo.
Afinal, é uma preocupação central nos debates sobre o uso ou não do termo “celta” e
principalmente sobre a questão principal “o que é ser celta?”, o que se mostra a chave para a
compreensão do mito do celtismo moderno.
Construções modernas para realidades antigas. O ‘Ser Celta’ e o uso cultural do termo.
Para se aproximar dos meandros de uma identidade cultural celta assim como de sua
memória, é preciso problematizar o “ser celta” que é mutável, flexível e, sobretudo, heterogêneo
(HARVEY, 2002). O Celticismo é um campo aberto que cada vez mais questionado já na sua
definição histórica encontra nos espaços contemporâneos uma pluralidade de definições e
valorações.
Afinal, é muito fácil se perder nas definições promovidas pelo celticismo
contemporâneo. A Cultura de memória tenta se apoiar em tradições antigas e em rememorações
de grupos que academicamente são redefinidos por pesquisadores que se questionam nos
últimos anos se até mesmo termo celta poderia ser usado para seus estudos sobre tribos da
idade do ferro ou sobre as expressões do folclore atual que advogam essa pertença para si
(COLLIS, 2003).
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Para não nos perdermos no emaranhado de definições que cercam o celticismo moderno,
nós temos de entender primeiro que não se pode afirmar existir uma única forma de expressão
étnica céltica como se sua singularidade fosse algo culturalmente monolítico e que acompanha
todos os grupos contemporâneos atualmente como uma unidade.
O folclore irlandês, escocês ou mesmo bretão usa de expressões próximas por afinidade
e construções modernas de um espectro gaélico, mas que são tradições de memória vivas e
modificadas pelos últimos séculos, sobretudo por conta de seu caráter político que influencia
também os próprios estudos acadêmicos sobre o tema (TRANVOUEZ, 2015, p. 119).
Funciona quase como uma via de mão dupla entra a visão acadêmica dos antigos celtas
e a visão contemporânea dos mesmos. O que é interessante é que por seu aspecto inegavelmente
político, o termo celta mesmo como termo guarda chuva promove querelas quando
desconstruído. A pergunta que deve ser colocada é que se mesmo academicamente, nós
podemos considerá-lo apenas uma “invenção moderna”?
De acordo com a nossa pesquisa de mestrado (2014) onde comparamos a construção
étnica do celtismo entre Irlanda e Galícia, o termo é controverso na academia e mais ainda
na vivência coletiva popular e folclórica.
3
Inclusive, conceitos e nomenclaturas mais específicas
são necessários para se compreender esses fenômenos. Em nossa pesquisa prévia utilizamos,
por exemplo, os conceitos de celticidade e celtitude para melhor compreender essa dinâmica
estrutural de uma memória étnica celta forjada.
Estes conceitos ainda são exacerbadamente válidos para entendermos como as diversas
expressões populares de um celtismo como festivais de música, filmes e a literatura hoje
compreendem e, sobretudo, vendem esse celticismo. Mas afinal, o que são estes dois conceitos
que juntos compreendem o celtismo contemporâneo?
Celtitude e Celticidade são os conceitos chave para compreender como o celticismo
moderno forjado se estrutura ao advogar um valor cultural celta para às mais variadas formas
de expressão política, econômica (DIETLER, 2005) e folclóricas existentes na franja céltica
atlântica e até mesmo em comunidades diaspóricas (HARVEY, 2002).
O antropólogo Michael Dietler (2005, p. 237-248) define Celtitude como um largo
sentimento de orientação etnonostálgica encontrado, por exemplo, nos movimentos de
migração irlandesa e escocesa pelo mundo. Para Dietler, a construção de Celtitude envolve
quase sempre algum tipo de re-essencialização” (DIETLER, 2005, p. 239) em um senso
específico de pertencimento étnico baseado em uma visão de comunidade construída, com uma
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identificação emocional que apenas a vivência de uma cultura de memória coletiva pode
evidenciar. A conexão da celtitude com tradições políticas é notória, pois sua atuação é
estruturada por elementos como a genealogia, território ou mesmo língua. a Celticidade seria
algo bem mais aberto, flexível e se adequa ao processo de globalização que vivemos no século
XXI.
É o que para Marion Bowman (1996, p. 242-254) pode ser chamado de “celtas de
coração” (cardiac celts”). É interessante que para Bowman, os celtas de coração na
nacionalidade é uma questão de afinidade eletiva que absorve um pensamento quase
espiritualizado, mas que ao mesmo tempo engloba um senso de tradição e unicidade generalista
que persegue uma espécie de natureza própria que e perdida e, portanto, inexplicável pelo
discurso racional (BOWMAN, 1996).
Esse conceito em termos analíticos se aplica a todo grupo ou mesmo indivíduo que tem
interesse e mantêm laços diretos com a cultura que se convenciona chamar de celta, mesmo que
sua sociedade de origem seja outra. O laço puramente emocional da celticidade é alimentado
pela vivência globalizada do mesmo, suas fragmentações próprias do mundo ocidental
intercultural e em rede e, sobretudo, pela comodificação
4
do mundo céltico disseminado por
meios de memória dos mais diversos, como a internet, o cinema, a cultura new age entre outros.
Isto posto, celtitude e celticidade são dois conceitos complementares que juntos
compreendem o escopo do celticismo como construção moderna e principalmente como
esforço coletivo para a formação de uma memória inventada de um passado mítico
profundamente controverso.
Autores como o arqueólogo Simon James (1999, p. 68) ao questionar as diferentes
percepcões étnicas da cultura material ou mesmo John Collis (2003, p. 226) dirão que a História
é um fator preponderante na definição das fronteiras étnicas que definem as identidades
coletivas de um povo ou outro. Nesta visão da qual discordamos em parte, o discurso acadêmico
extrapola seu próprio uso primário e serve de base geral para a legitimidade da qual a população
moderna utilizará o conceito céltico para se autodefinir coletivamente em suas expressões
populares.
Todavia, dentro da História e dos estudos de Memória Social, nós compreendemos que
não apenas o celtismo em termos gerais, mas também suas definições locais o fruto de uma
profunda conexão entre as diferentes vozes que o compõem. Vozes essas acadêmicas,
populares, elitizadas e comodificadas que atuam de forma conjunta na sua versão do que é celta,
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no seu uso da própria identidade. Os aspectos aqui coletivos não são apenas definidos pelo
discurso de autoridade acadêmica da História, mas se influenciam mutualmente em maior e
menor nível.
Compreender esses níveis e como essa influência se em uma via de mão dupla
intercultural é o trabalho que os estudos de Memória têm alavancado. Afinal, é justamente nesse
momento que as diferentes dimensões de memória são aplicáveis seja ela material, social ou
mental como nos aponta Astrid Erll (2011).
Mas afinal, por que o termo celta é historicamente controverso? E por que nós, mesmo
sabendo que ele é controverso, continuamos a usá-lo? Bem, as duas perguntas são explicáveis
ao longo da História recente das representações culturais dos que advogam um pertencimento
“céltico”. E é justamente a controvérsia moderna que nos interessa particularmente no campo
da memória. Entretanto, essa controvérsia é explicada historicamente em seu uso nos estudos
de História antiga.
Segundo a tradição histórica oriunda da antiguidade helênica, as populações europeias
ao norte dos alpes passaram a ser denominadas genericamente como Keltoi
5
que é a primeira
forma pela qual encontramos a definição de celtas na História. A grande questão celta como
levantada por Kim McCone (2008), por exemplo, é qual a ligação que este termo tão
abertamente usado hoje teria com as realidades dessas populações da antiguidade.
Afinal, não existe nenhum vestígio textual desses grupos que efetivamente nos ajude a
resolver esta questão. O que nos resta é justamente a cultura material e os textos de autores
gregos e romanos. Nossas informações sobre os celtas entre os autores antigos não segue o
mesmo padrão. Isso se explica porque esses autores escreveram em diferentes épocas e com
diferentes interesses. O único ponto de articulação entre os termos é que todos se referiam aos
povos bárbaros.
6
Mesmo assim, autores que mantiveram contato direto sobre os celtas como Políbio,
Posidônio e Júlio Cesar (ao escrever seu comentário sobre a guerra das Gálias) possuem
definições diferentes sobre o que seriam os celtas, os gauleses, os gálatas etc. Estes termos que
modernamente nos parecem de fácil definição geográfica encontram assimilações diferentes
entre os autores clássicos gregos e romanos o que por si só já gera um debate histórico.
No entanto, se seguirmos a ideia de Barry Cunliffe (1997, p. 2) sobre o tema, esta
diferenciação de nomes se explicaria por uma análise diferenciada que cada autor daria para o
mesmo e, em termos gerais, Keltoi/Celtæ seriam grupos de regiões mais afastadas, bem como
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definições mais gerais dos mesmos e galli/galatae seria um termo mais específico e utilizado
para designar àqueles grupos com os quais estes manteriam mais contato, mais especificamente
as tribos que interagiam diretamente com o mundo mediterrâneo.
Não podemos então afirmar por meio destas fontes que existia uma unidade celta que
permitisse o uso que hoje modernamente o atribuímos. E mesmo a solução de que a língua seria
o fator de articulação entre esses grupos na antiguidade é questionável também por falta de
registros que a comprovem ou mesmo que esse uso da língua seria preponderante para
definirmos um grupo identitário (BONDIOLI, 2013).
Outra tentativa de justificar o uso do termo e a ligação entre as diferentes populações
seria a leitura dos objetos artísticos que muitas vezes é utilizado e identificado como prova da
coesão céltica destes grupos. Desde o estudo de antiquaristas como J Romilly Allen (2001) até
os estudos de arte celta do século XX com Paul-Marie Duval (1977), aponta-se a variação
estilística dos objetos de arte como fator de identificação coletiva celta.
E é bom colocar que para além de acusações de usos ideológicos entre acadêmicos, este
argumento artístico perdurou no centro do debate de legitimação do termo celta nos anos 1990
7
,
com Ruth e Vincent Megaw (1996) que em seus estudos de arte celta consideram também a
arte o fator de ligação lido para que utilizemos o termo celta como um conceito identitário
geral na antiguidade. Até mesmo porque, segundo eles, a arte do período de La Téne por
refletir crenças religiosas em seu quadro estilístico denota uso ideológico do mesmo que ao ser
compartilhado por diversas tribos seria prova inconteste de sua celticidade geral.
No entanto, os argumentos contrários dizem que as fontes históricas da antiguidade não
nos permitem afirmar essa coesão e que por conta disso, essas análises seriam especulativas e
até mesmo a-históricas como diria Eoin O’Neill, o apenas por não considerar os fatores de
língua, arte e etnicidade como variáveis independentes, mas principalmente por não existir
comprovação do uso do termo pelos próprios grupos estudados.
Se seguirmos os usos históricos do termo, nós encontramos um verdadeiro hiato ao
chegar da idade média até o período moderno, onde o termo celta nem sequer é usado para
designar as populações do que hoje chamamos de Irlanda, Escócia ou mesmo da Bretanha
francesa. Os irlandeses e escoceses nesse período possuíam e utilizavam o termo gaélico, e sua
cultura de memória coletiva era identificada por um universo gaélico (Gaeltacht) e que até o
século XVII permanece sem maiores identificações com o termo celta.
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Por esta razão que Brunaux (2014, p. 25) dirá que a “idade média céltica” recairá
tardiamente no campo do celtismo, indicando que apenas com a publicação em 1760 dos
poemas ossiânicos de James Macpherson - uma notória farsa em busca de legitimidade por
meio de uma “alma céltica” que as bases do universo céltico ganhará os contornos que
inspiraram os românticos do século XIX a projetarem possíveis heróis, lendas e uma certa forma
de tradição apenas inspirada no que a antiguidade até aquele momento os revelava.
Tudo isso faz com que não seja possível afirmarmos categoricamente que os povos
da antiguidade se denominavam por celtas, pois mesmo os autores clássicos que cunharam o
termo não tem uma definição coesa sobre o termo. E é por esta razão que o seu uso para o
estudo dos povos da antiguidade, por mais consagrado que seja é controverso, pois se concentra
entre as diferentes generalizações de autores antigos e as aproximações dos arqueólogos
contemporâneos no processo (BRUNAUX, 2014, p. 33).
Afinal, por mais que existam esforços de linguistas, ou mesmo da interpretação religiosa
da função artística do estilo lateniano de arte celta feita por Ruth e Vincent Megaw (1996), é
impossível para nós, com os elementos que temos disponíveis afirmar que eles possuíam uma
unidade, pois até mesmo as fontes clássicas gregas e romanas que os citam, de acordo com
nossa leitura, depõem ao contrário.
Não podemos afirmar o uso do termo na antiguidade e muito menos a ideia de uma
unidade entre eles enquanto povo. Este ponto nos faz refletir, pois se não podemos afirmar a
existência de uma unidade celta na antiguidade por conta de suas inúmeras tribos e diferentes
expressões locais, será que podemos dizer o mesmo da chamada franja céltica moderna que se
pretende homogênea quando se estrutura de forma heterogênea?
Afinal, é justamente essa heterogeneidade pretensamente homogênea que é
transformada em um esforço coletivo de Cultura de Memória celta e em uma verdade étnica,
base da visão poética de literatos, dos habitantes dessas regiões, dos acadêmicos e também das
imagens espalhadas pelo mundo promovidas pelos festivais.
É importante ressaltar também que todos esses elementos não teriam força para sozinhos
estruturarem essa cultura de memória. O que o motiva em grande parte é uma invenção de
tradições tal qual Eric J. Hobsbawm (2008, p. 9) a compreende, como “um conjunto de práticas,
normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas” apoiadas nas vivências
coletivas. Neste sentido, existe um projeto de invenção de memória que atua diretamente sobre
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o indivíduo e que ganha força e contornos polêmicos por seu uso moderno indissociável do
aspecto político.
Diferentes visões do celtismo na História recente
Os celtas, como compreendemos até então carecem de certa historicidade ou mesmo de
embasamento político enquanto grupo definido, seja na antiguidade ou até mesmo nos grupos
contemporâneos que utilizam o termo em suas bases folclóricas. Neste sentido, a pergunta que
fica é onde, nos mais diversos processos históricos recentes de irlandeses, escoceses e bretões
franceses que o mito do celtismo ganha legitimidade?
A resposta adotada por alguns desses grupos reside na perspectiva linguística. No campo
linguístico outras questões se apresentam relacionadas a falas consideradas autóctones e sua
evolução a partir de outros dialetos anteriores. Neste campo, a base teórica de uma linguagem
anterior é uma hipótese aceita sem maiores debates e sua denominação enquanto céltica ganhou
popularidade logo no início de seus estudos. Atualmente o grupo referencial dos estudos das
chamadas línguas celtas como os dialetos célticos insulares ou mesmo os da região armoricana
francesa oferecem uma imagem referencial de tradição viva dos celtas antigos e são
apresentados como elementos inquestionáveis das tradições culturais dessas regiões
(FAVEREAU, 2005).
Nestes termos, para estes grupos, acaba por não fazer sentido debater nesse campo as
contradições que os estudos arqueológicos ou mesmo as disputas por uma narrativa histórica
desse passado trazem politicamente e socialmente. Estas diferentes visões do termo céltico por
mais distintas que hoje nos possa parecer foram, na visão dessas comunidades linguísticas,
parte de um todo e hoje alimentam o imaginário popular que enxerga um celtismo homogêneo.
Em verdade, a própria formulação do mundo céltico e de sua concepção no campo
imaginário como o concebemos modernamente vem da área linguistica e, muito antes da farsa
literária de Macpherson
8
ela estava se formando entre os circulos intelectuais, como o
humanista escocês George Buchanann que já em 1582 reunirá estudos comparando similitudes
entre as tais línguas autoctones que mais tarde serão denominadas celtas.
Buchanann vai delimitar toda uma teoria de ocupação das populações que ele entenderá
como celtas e desta forma explicará como as variações linguísticas que ele estava a estudar
foram parar na Irlanda e Escócia e diversas outras partes da Europa, explicando assim sua
variação linguística.
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No entanto, é no início do século XVIII é que a terminologia para designar os celtas
ganha forma graças a Paul Yives-Pezron, um bretão francês que nesta época vai publicar
“L’Antiquité de la langue et de la nation des Celtes”, obra que não apenas pretende disseminar
a ideia de celtas logo em seu título, mas também delimitará o mito de origem celta entre os
franceses. Pezron vai além e buscará raizes bíblicas entre os celtas a partir de seu entendimento
dos Gálatas e no campo linguístico buscaa plena legitimação do grupo ao associar a língua
com o próprio texto religioso, dando origem com isso a toda uma base de seguidores da ideia
da origem comum celta, onde provavelmente Jacques Le Brigant será o defensor mais famoso
ao longo deste mesmo século, ao menos no território francês.
Fora da França as ideias de Pezron vão acabar influenciando também o galês Edward
Lhuyd que dentro do seu estudo linguístico encontrana obra de Pezron a legitimidade para
embasar suas ideias desenvolvidas em anos anteriores sobre as bases comuns das línguas
agora compreendidas dentro do universo céltico.
É interessante que a obra de Pezron, mesmo que carecendo de profundidade encontrou
enorme sucesso e aceitação dentro da França e fora dela como podemos perceber. Suas ideias
ajudaram a forma toda uma base de celtomania na França que vai ganhar corpo com Le Brigant
no século XVIII e Theódore Hersart de La Villemarqué ao longo do século XIX aliando um
grande entusiasmo do revivalismo céltico de sua época com certo embasamento histórico na
sua busca por uma passado folcórico bretão.
Todas essas manifestações intelectuais citadas brevemente nos ajudam a compreender
o impacto que os estudos linguísticos conseguiram ao longo dos anos. Suas bases
terminológicas não foram questionadas até então e com isso os estudos de outras áreas se
mesclaram com eles durante um tempo, influenciando toda uma percepção hisrica,
arqueológica e folclórica deste mundo celta.
Esta concepção então nasce no século XVIII e com o tempo se consolida na extremidade
mais para o Oeste geográfico da Europa, na franja atlântica, onde e bretanha francesa, mas
também Gales, a Escócia e a Irlanda ganharam destaque. É interessante notarmos que o caráter
primordial desse imaginário é a resistência e uma busca por um mundo primitivo que não mais
existe, e que vai se associar a todo tipo de vestígios sensíveis da paisagem e da tradição popular
dessas regiões que podem encontrar algum grau comparativo seja a canção, as danças, o clima
ou mesmo os vestígios megalíticos que nessa época sem uma datação arqueológica precisa
foram palco de toda apropriação em favor do mito do celtismo.
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É como se o estudo linguístico desta época houvesse criado as bases de um edifício sem
uma fundação sólida e que esse edifício ficasse cada vez mais complexo ao longo das décadas
e séculos. Nos dias atuais a tendência é justamente o questionamento dessas bases pela via
acadêmica, mas não pela via popular e certamente não no campo mercadológico que os explora
como um rentável commodity étnico e canibalizado.
No entanto, ainda hoje existe uma grande confusão de termos com relação ao que é
céltico. Afinal, desde a primeira metade do século XIX que se qualifica como “céltico” tudo
aquilo que acadêmicamente fugia do lugar comum das antiguidades gregas e romanas,
englobando tradições inventadas e campesinas das mais variadas, mas também vestígios do
paganismo e mesmo da literatura oral popular, das lendas e canções (BRUNAUX, 2014)
(CHARTIER-LE FLOCH, 2013).
Somando estes aspectos aos problemas de base econômica e política das regiões mais
afastadas da franja atlântica européia como a Irlanda ou mesmo a Bretanha francesa, nós
começamos a enxergar uma base de elementos culturais que começaram a se agregar ao redor
de uma cultura de memória céltica em comum que passa desde então a se enquadrar por uma
resistência política frente a sua crescente subalternização étnica seja pelo referencial inglês ou
francês de dominação e normatização.
O efeito direto da formação deste mito e mais intensamente do uso de uma cultura local
dentro dessa franja céltica voltado para um ideal de resistência identitária é o que podemos
denominar de invenção de Memória e que é a base comunicativa que liga estas tradições
diferentes e nos faz perceber dentro do campo popular como convergem diferentes imaginários
pautados pelo mito do celtismo.
A problemática do uso político da Memória Celta
A definição celta como vimos é problemática. A afirmação de uma cultura celta é algo
que não se pode aplicar nas análises mais localizadas para não cairmos no risco de nos
tornarmos generalizantes. No entanto, seu uso para compreender suas relações políticas e de
alteridade contemporâneas pode ser feito sem problemas justamente por seu caráter agregador
próprio de uma invenção de Memória.
Isso ocorre porque o processo de criação de uma imagem coletiva sobre uma forma de
memória, ou melhor dizendo, o que nós podemos definir como invenção de memória no caso
dos celtas, recai sobre três fatores que de acordo com Jan Assman (2011) se expressam por 1)
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uma relação concreta entre espaço e tempo, 2) uma relação sólida com o grupo e 3) uma
capacidade de reconstrução independente.
O primeiro fator é bem próximo aos conceitos forjados de espacialidade como
estipulado por Benedict Anderson (2009) em comunidades imaginadas, estruturando-se
diretamente sobre o conceito de celtitude como fator agregador, mas também evidenciando uma
problematização da fala de Anderson.
Afinal, ao falarmos de “comunidades imaginadas” nesse caso específico, nós temos de
levar em conta que por mais que concordemos que esta seja uma construção intercultural, ela
também esconde uma narrativa mítica intercéltica travestida de um panceltismo homogêneo.
Muitas vozes ligadas tanto com movimentos folclóricos populares quanto
comodificados nesse caso flertam com o passado de longa duração e se autopromovem de
maneira resistente por meio da etnicidade, mas tentam desta forma inserir-se em uma narrativa
histórica maior, percebendo-se por meio de relações e pertenças Pan-célticas em um senso
forjado e imaginado próximo do que Anderson definiria “Comunidades Imaginadas” em
denominação clássica.
Desta forma, o conceito de “Comunidades Imaginadas” de Anderson (2009) pode ser
lido nestes grupos como se fosse uma dimensão mental partilhada entre diferentes grupos da
chamada franja ltica, materializando símbolos próprios e socializando-os por tradições que
reafirmariam essas construções pancélticas inerentes a toda construção étnica destes grupos.
Além disso, devemos mencionar que as chamadas “Nações celtas” se percebem
materialmente como uma unidade homogênea e que encontram nessa dimensão material os
símbolos, documentos, monumentos e imagens referenciais que estruturam sua demanda
imaginada e política tal qual Anderson as condiciona em seu conceito clássico justamente por
serem: a) imaginada, pois os membros dos grupos “célticos” jamais conhecerão, encontrarão,
ou sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a
imagem viva da comunhão entre eles, sobretudo em celebrações sazonais como os festivais
internacionais; b) Limitada, porque mesmo que a “Franja céltica
9
seja de fato enorme em suas
fronteiras, suas zonas de influência de celticidade são finitas, ainda que elásticas, para além das
quais existem outras formas interculturais de sentimentos indentitários e até mesmo nacionais;
c) soberana, pois se estrutura na prática discursiva sob a concepção iluminista que garante a
liberdade desses grupos mediante a estruturação de um Estado soberano, ou pelo menos com
alguma autonomia política regional; d) uma comunidade que independente da desigualdade
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existente entre seus membros, promove um sentimento de pertença como uma dimensão mental
estereotipada que por meio de valores e normas forjados, se conceitua no tempo por uma
profunda camaradagem horizontal tolerando demandas que muitas vezes são conflitantes ao
visar uma coesão de grupo.
Claro que compreendemos que essas visões imaginadas de comunidade possuem falhas
inerentes ao escopo pós-colonial, onde irlandeses, escoceses e mesmo bretões se inserem, mas
é fato estrutural de suas narrativas pessoais a tentativa de se construir em meio a essa
ambiguidade como se fosse o modelo a se seguir.
Essa ambiguidade que na verdade traduz uma contradição de termos se deve ao
pressuposto hegeliano inerente a própria ideia de uma comunidade imaginada onde se pensa a
identidade irlandesa ou escocesa como uma grande narrativa global que buscaria por meio de
seus celtismos um lugar na narrativa total da História e que venceria resilientemente com o
passar dos anos seus pesadelos gaélicos de periferia e marginalidade, galgando assim seu lugar
na História (LLOYD, 2003).
Nossa preocupação aqui sobre estas construções encontra-se na relação entre a temática
pós-colonial e as memórias coletivas inseridas em sua estrutura. As memórias coletivas são
aplicáveis dentro de um campo cultural e a partir dele, as diferenças de definição da cultura
nesse caso definem a aplicação da memória entre os diferentes conceitos ou mesmo dimensões
mentais, materiais e sociais.
Se partirmos de um compreensão de que nestas regiões, algumas bases de socialização
partem de tradições como festivais celtas existentes na Irlanda, Escócia e Bretanha francesa,
nós podemos perceber que a relação existente entre a narrativa celta e suas vivências históricas
se mostram diferenciadas e balizadas pela relação pós-colonial.
Estas regiões possuem suas peculiaridades e para além disso, expressam a lembrança
entre as diferentes formas de memória que embora diferenciadas influenciam-se mutualmente
por representarem demandas não muito diferentes e de escopo pós-colonial.
O pós-colonial, nestes termos é o material do qual o campo discursivo irlandês, escocês
e até mesmo bretão toma forma. Não é possível pensar as relações de dominação entre os
discursos oficiais de representatividade e as falas regionais ditas célticas sem pensar que esta
relação produz uma série de memórias coletivas conflitantes e constituintes do celtismo
contemporâneo.
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O pós-colonial então serve como elemento de reflexão sobre a construção das narrativas
que permeiam os processos que cercam a construção de uma memória cultural céltica de tal
maneira que igualmente promovem a definição e posicionamento destes grupos, sobretudo no
tocante a resistência identitária.
Para além da problematização pós-colonial e do papel da sociedade civil ao manter ou
romper estes ideais, a verdade é que as imagens comunais formam um grande palco de disputa
velada. Uma busca pela legitimidade de uma celtitude silenciada que não pode nunca ser
estabilizada, pois está em constante movimento de autodefinição subalterna.
É por isso que a visão nacional contemporânea, própria da inserção da celtitude no plano
moderno de uma comunidade imaginada deve ser questionado. Ainda acreditamos que como
nas palavras de Manuel Castells: “(...) ao contrário das visões de Hobsbawm ou Anderson, o
nacionalismo como fonte de identidade não pode ficar restrito a um determinado período
histórico e aos processos e conquistas do Estado Nação moderno.” (CASTELLS, 2010, p. 8).
Ou seja, a busca por representação, reconhecimento e afirmação destas identidades
irlandesas, escocesas e bretãs é uma disputa de Memória multidirecionada (ROTHBERG,
2009) no afã de fazer parte de uma grande narrativa histórica hegeliana que tem apenas mantido
suas falas cativas como mecanismos de subalternidade. A celtitude é usada de maneira
praticamente instrumental nas falas destes grupos, o que nos leva ao segundo fator demonstrado
por Assman.
O segundo fator parte do conceito de celtitude em sua aproximação “etnonostálgica” e,
sobretudo, aos pensamentos imaginados que definem uma comunidade imaginada, mas
definida por dois pontos: Peculiaridade e Durabilidade. Estes dois pontos atuam por meio de
mecanismos de esquecimento coletivos, percebendo-se como contínuos e imutáveis, ignorando
suas rupturas históricas. Esse fator é notoriamente percebido nos festivais celtas
contemporâneos ao longo da franja atlântica europeia, onde o sentimento de pertença toma
conta de todos por ações ritualizadas e onde as rupturas históricas que subalternizaram as
comunidades celebradas ao longo dos séculos são subitamente apagadas e cultuadas de maneira
positivada.
O terceiro fator é relacionado com a capacidade de “reconstrução independente” destes
grupos de memória inventados (como é o caso dos celtas), e atua de maneira comparativamente
próxima ao mecanismo de invenção de tradições evidenciado por Eric Hobsbawm (2008), de
maneira que a reconstrução é vital para o processo de memória, pois “a memória trabalha por
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meio da reconstrução” e consequentemente revalidação de discursos políticos associados a
esses grupos.
Nestes termos, o passado por si não pode se preservar e por isso se sujeita a um
processo contínuo de realocação e reorganização de acordo com as mudanças dos quadros
referenciais de cada momento presente que se assume quase sempre para fins políticos ou
mesmo mercadológicos bem definidos.
Isto também ocorre a partir da perspectiva de grupos que discursivamente os dominam
e que propagam essa fala com intenção de canibalização desse modelo cultural e, sobretudo,
visando sua domesticação também com caráter político claro.
Esses conflitos políticos pelo uso cultural da memória existem obviamente a partir da
relação direta que esta terá com a tradição inventada, no caso celta. Neste momento, nós
entendemos que a relação entre tradição e memória deve ser analisada também.
No entanto, como Halbwachs (2006) a tradição como uma distorção da memória, e
também por conta da flexibilidade existente entre as fronteiras da tradição e da memória que
são vitais para se compreender a invenção de memória céltica. É por este pressuposto que
devemos partir para uma análise da memória coletiva (HIRST, 2008) que passe adiante de
Halbwachs nestes termos e se distinga entre comunicativa e cultural como Assmann
10
também
trabalhará.
Partindo de uma ideia de Memória que se pense comunicativa nas tradições e cultural
nas suas apropriações nós conseguiremos entender que os usos do termo “céltico no ser celta
do século XXI pode até se distanciar do debate acadêmico, mas se beneficiará de suas
resoluções de forma seletiva, pois se percebe parte de uma linhagem cultural mais abrangente
que a acadêmica e muito mais sólida, pois é calcada no mito do celtismo aqui demonstrado.
Conclusão
As diferentes visões do celtismo apresentadas superficialmente neste trabalho buscam
apenas demonstrar que as representações de uma memória céltica são heterogêneas em sua
estrutura independente de se nivelarem pelo substrato acadêmico ou apenas popular (e muitas
vezes mercadológico) que assumem no século XXI.
Refletir sobre as diferentes possibilidades de se pensar o “ser celta” seja na leitura
formal do termo ou nas possibilidades em meio aos festivais populares que advogam sua
pertença céltica, como os que existem na Europa hoje usando de um panceltismo como marca
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sazonal, nos faz questionar qual tipo de identidade celta é construída aqui. Afinal, que vozes
falam e que vozes são silenciadas nesse processo? Onde a experiência humana aqui se traduz
em pertença identitária ou na subalternização de alguns grupos em detrimento de outros?
A resposta reside nos diferentes níveis de Memória que estes grupos advogam para si.
Para além da própria representatividade, a questão aqui é a voz destes grupos e sua real
possibilidade de fala que venha sobrepujar a domesticação histórica de sua própria
subalternidade. Apenas desta maneira nós podemos esboçar uma resposta para todas as dúvidas
que detacamos nesse trabalho e que pairam sobre mundo céltico contemporâneo. Dúvidas e
questionamentos próprios da invenção de memória céltica como um fator analítico.
É por esta razão que podemos concluir dois pontos aqui. O primeiro obviamente diz
respeito à capacidade organizativa da invenção e memória céltica como um fator analítico. É
por meio dele que descobrimos diferentes falas, diferentes demandas e, sobretudo os
esquecimentos que compõe a memória coletiva, em um exercício cultural, ou melhor dizendo,
transcultural que promove o trânsito de experiências e a melhor definição das demandas dos
grupos que o mundo moderno ainda chama de celtas.
O outro ponto é a capacidade mediadora da dimensão social do celtismo, expressa por
meio de rituais institucionalizados (BOURDIEU, 2014) e práticas comemorativas como os
festivais sazonais citados acima. Esta capacidade está intimamente ligada com os diversos usos
multidirecionais e interculturais das memórias coletivas destes grupos, bem como a negociação
de normas que assentam os valores identitários transnacionais por meio de símbolos célticos
igualmente transnacionais. Estes símbolos carregam um poder para além da dimensão mental e
imaginativa, pois condicionam códigos e percepções de si de tal maneira que fazem dos
festivais celtas, por exemplo, o palco ideal não apenas para shows e demais apresentações
culturais, mas também de problemas pós-coloniais dos mais diversos e que situam esses grupos
em uma categoria historicamente subalterna e muitas vezes comodificadas do celtismo
(HARVEY, 2002).
Essas construções revelam certas comemorações identitárias e mesmo vozes
conflitantes entre o popular e o oficial, mas não podemos esquecer que é disso que os estudos
de memória se tratam. No ato de compreender como uma cultura de memória específica se
forma temos de olhar para alguns destes mecanismos e os festivais e demais expressões
populares do celtismo se mostram desta maneira.
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Não devemos esquecer também que o passado destes grupos aqui mencionados seja este
grupo irlandês, escocês ou bretão é um passado marcado por traumas e demais formas de
esquecimento que o discurso histórico muitas vezes não alcança. É necessária uma investigação
que pondere de maneira qualitativa a Memória para se compreender melhor estes usos.
Emile Pine (2011) em seu The Politics of Irish Memory nos alerta para esta questão. A
negação de certas falas históricas oficiais ou mesmo de alguma investigação histórica sobre
determinados assuntos promove uma lembrança coletiva que segundo suas palavras é inexata.
Ocorre então uma distorção do passado e por extensão da História popular e mesmo da memória
cultural com implicações pesadas sobre isso nos usos futuros do passado e mesmo da identidade
que segundo seu estudo sobre representação contemporânea irlandesa é marcada pelo trauma.
E isso nos faz ponderar sobre o papel da memória cultural nessas vivências, na busca
pelos diversos silêncios e traumas que se por um lado promovem uma visão inexata da História
por outro lado promove toda uma cultura de memória baseada no trauma, na resistência
identitária e no uso controverso de suas próprias referências culturais coletivas, principalmente
quando temos um passado colonial para assombrá-lo.
Não podemos pensar esses assuntos de maneira dissociada e é por isso que devemos
compreender primeiro quais diferentes memórias comunicativas e coletivas nós estamos a falar
e, como elas se aplicam no universo das representações culturais irlandesas, escocesas e bretãs
formando um mito celta referencial.
Autores como Astrid Erll (2011) e Jan Assman (2011) efetuaram diferentes estudos
sobre os diferentes usos da memória na cultura ocidental. Eles partem de premissas diferentes,
claro, mas ainda assim suas definições de memória cultural e memória coletiva encontram certo
denominador comum dos quais concordamos.
Essas bases comuns entre as diferentes definições de memória presente no campo
teórico da Memória cultural constituem a invenção de memória céltica em meio ao mito do
celtismo presente nas expressões populares do grupos da franja céltica citados brevemente neste
trabalho.
Partindo então de que a Identidade Social destes grupos serve aos interesses de
afirmação destes grupos em meio aos elementos de reconhecimento e representação que os
expõe, essas duas formas de memória coletiva, seja ela comunicativa ou cultural atuam de
maneira a forjar o conceito de formação identitária no sentido da política vivenciada no
cotidiano (SILVA, 2009).
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E onde encontramos essas referências da vida prática? Onde eles se efetivam
afirmativamente nos grupos irlandeses, escoceses e bretões aqui mencionados? Bem, nossa
argumentação aqui segue a linha de Sergio Silva em que afirma: “os processos dos
comportamentos sociais e suas orientações na vida cotidiana dependem de tipificações
elaboradas nos processos de interações sociais” (SILVA, 2009, p. 28).
Essas interações carregam um forte elemento de memória coletiva, ou melhor dizendo,
memórias coletivas. Essas memórias em suas mutabilidades são plurais não apenas por se
tratarem de memórias de diferentes grupos identificados por um ideal nacional ou regional,
como irlandeses, escoceses ou bretões, mas também porque sua pluralidade existe de maneira
interna. Em outras palavras, a variedade representativa e de reconhecimento destes grupos pela
memória coletiva é plural tanto no aspecto interétnico como no aspecto intraétnico.
Sendo assim, partindo de uma ideia de Memória que se pense comunicativa nas
tradições e cultural nas suas apropriações nós conseguiremos entender que os usos do termo
“céltico” no ser celta do século XXI pode até se distanciar do debate acadêmico, pois se
alimentará de elementos diversos do celtismo de maneira seletiva, estruturando-se no mito do
celtismo aqui demonstrado.
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Recebido em 20/03/2020.
Aceito em 10/05/2020.
1
Mito é um termo complexo por possuir diferentes significados em diferentes campos de estudo, ou mesmo dentro
de uma mesma disciplina. Nós adotamos aqui a concepção da Memória Social que compreende o mito por meio
de uma abordagem antropológica/folclórica do termo que de fato nos permite entender o mito como parte de um
grupo geral de narrativas populares, evocando histórias tradicionais que advogam uma funcionalidade ligada ao
controle e coesão social, educação, entretenimento e outras formas de interação social pela Memória coletiva.
2
O Pan celtismo é um movimento político, social e cultural estabelecido entre os séculos XIX e XX com o intuito
de estimular a cooperação e solidariedade entre as regiões modernas que advogavam algum pertencimento céltico.
Oriundo de um nacionalismo romântico, o movimento se estabeleceu pelo chamado revivalismo céltico (Celtic
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Revival) e ao longo do século XX suas relações se tornaram parte de um complexo sistema de influência mútua
conhecido como interceltismo, como conceitua Erwan chartier-Le Floch (2013).
3
Quando falamos de vivência folclórica, é necessário deixar claro que cada região citada aqui possui um folclore
específico com danças, lendas e tradições. No entanto, existe todo um um esforço intercéltico de alinhamento
dessas narrativas, principalmente por meio dos festivais de música e tradição que ocorrem nesses territórios e que
buscam quase sempre unir delegações de Irlanda, Escócia, Bretanha, Gales e Galícia como um grupo de
tradições. Neste aspecto nosso conceito de folclore aqui é retirado da ideia básica das maneiras de agir sociológica,
tal qual como define a tradição a partir dos estudos de Sumner ao longo de um sistema social feito pelas normas
que estabelecem as práticas, costumes e hábitos populares aceitos na vida cotidiana, nesse caso específico em meio
ao escopo céltico contemporâneo.
4
Devemos compreender os diferentes processos de comodificação identitária presente nesse estudo como um
processo de formação de um fetichismo, onde se pensarmos em termos marxistas evoca a ideia de valor de troca
de um determinado produto (em detrimento do valor de uso). Por extensão também podemos depreender a ideia
de que todas as relações humanas e experiências podem ser percebidas também como produtos dos quais tratados
como coisas permitem um mascaramento de nossas percepções coletivas e as integram junto da ideologia
capitalista de tal maneira que nosso entendimento das relações sociais acaba resultando ideologicamente em um
jogo de aparências que legitimam em muitos casos certos mecanismos de dominação e, sobretudo, distinção.
5
Os antigos helenos passaram a designar toda a população ao norte dos Alpes como Keltoi, termo esse que aparece
em autores como Heródoto em suas Histórias no século V a.C., mas também tem relação com os textos presentes
em Estrabão, Posidônio, Ateneu, Diodoro de Sicília etc na antiguidade entre séculos III I a.C. Essa visão
promovida pelo mundo clássico grego e romano é quase contemporânea na maioria dos casos e sua influência
sobre o que se entende por celtas dois mil anos depois de sua escrita ainda é digna de nota (CUNLIFFE, 1997).
6
Ou seja, fora da ideia de civilização construída pelos gregos e romanos da antiguidade.
7
Simon James e o casal Ruth e Vincent Megaw travaram um debate sobre o uso do termo celta ao longo dos anos
1990. O debate para além das questões acadêmicas também envolveu alguns embates de cunho político, pois os
partidários de Simon James por questionarem o uso do termo celta foram acusados de alimentar um discurso anti-
europeu, de extrema direita (Tory) e que via no uso geral e aceito do termo celta como uma ameaça ao seu
monopólio ideológico e conservador inglês.
8
James Macpherson (1736-96) foi o “tradutor” dos chamados “poemas ossianicos” entre os anos 1760 e 1763,
onde teria se baseado na antiga tradição oral celta da Escócia para narrar de maneira épica um herói mítico chamado
Ossian, equivalente ao herói celta irlandês Oisin. No entanto, apesar da farsa da produção textual, seus poemas
tiveram grande impacto na aceitação e divulgação das tradições célticas escocesas no mundo, sendo chamado de
‘Homero céltico’ à época. Sabe-se, por exemplo, que figuras como Napoleão, William Blake, Thomas Jefferson,
Henry David Thoreau e Goethe (que inclusive o traduziu para o alemão) eram admiradores da obra de Macpherson.
9
Vale ressaltar que a franja céltica aqui é um conceito abertamente explorado em livros, pela imprensa, televisão
ou mesmo em discursos políticos. Em nosso estudo, nós vemos a franja céltica como uma construção de base
teórica próxima do que Murray Pittock (1999) definirá como um espaço geográfico ao mesmo tempo que
imaginado e que assume características politicas, etnoculturais e também linguísticas (mesmo que esse último seja
alvo de grandes debates.) A franja celta é então uma delimitação étnica de tal forma forjada que a própria ideia
de etnicidade (que é por si elástica) assume posturas cívicas variadas de acordo com a participação multicultural
destes grupos e que sugere diferentes vivências locais de distinção coletiva visando resistir a outras construções
étnicas mais hegemônicas.
10
Jan Assman definirá a Memória Coletiva por meio da relação entre memória comunicativa e memória cultural,
pois só pode ser concebida institucionalmente e artificialmente e como memória porque tem relação direta com a
atuação comunicativa em sociedade. Nestes termos, seu aspecto comunicativo é definido por um conteúdo
biográfico pessoal, de forma informal, mediada organicamente, com uma estrutura temporal geracional
compartilhada por vivências em contraste com o espectro da memória cultural de conteúdo mitificado e fixado por
uma forma organizada e regrada, mediada por objetificações simbólicas tradicionais com estrutura temporal
indefinida e acessada por pessoas especializadas nas regras dessa tradição.