Fronteiras: Revista Catarinense de História. Dossiê Direitos humanos, sensibilidades e resistências. N 36, 2020/02 – ISSN 2238-9717
194
DOI: https://doi.org/10.36661/2238-9717.2020n36.11278
poder pessoal” (MARTINS, 2009, p. 84). Caracterizado como uma forma de exploração
compulsória do trabalho, o aviamento tinha como principal característica o adiantamento de
mercadorias a crédito, que deveriam ser pagas com os produtos extraídos da “Grande Floresta”,
sejam as “drogas do sertão”, no período colonial, seja o látex, durante a segunda metade do
século XIX (MARIN, 2010, p. 46). Por este sistema, o seringueiro, o castanheiro e os demais
extrativistas dos rincões da Província eram ligados ao capitalismo monopolista internacional,
com a mediação do seringalista, das casas aviadoras e das casas exportadoras. Regendo relações
sociais, políticas e econômicas entre “patrões” e “fregueses”, o aviamento configurava as
relações de poder, numa espécie de patronagem comercial em que os laços de solidariedade,
fidelidade e lealdade constituíam esta parte da fronteira do humano, em que a exploração e a
violência eram os fios que os uniam e separavam.
Se tratamos de exploração e violência nas relações de trabalho na frente de expansão na
Província do Amazonas, somos remetidos ao terceiro elemento de composição do nosso objeto:
o conflito. A fronteira da Amazônia se construiu historicamente a partir dos contatos entre os
colonizadores e os nativos. Cristãos/civilizados versus caboclos/indígenas, homens versus
pagãos, humanos versus não humanos vão constituir as dicotomias nas situações de fronteira.
“A compreensão da sociabilidade característica da frente de expansão depende justamente de
reconhecer nessa dicotomia um ponto de partida e de nela ver o que tem de revelador”
(MARTINS, 2009, p. 25). Nestas situações de fronteira, portanto, a percepção do “outro”
também contribui para a definição do “eu”. Para além das violências físicas, dos ataques às
malocas, dos raptos, dos estupros, dos tiros de armas de fogo e das flechas envenenadas, há
uma “(...) disputa pela concepção de pessoa e de humano entre índios e brancos” (MARTINS,
2009, p. 29). Do ponto de vista do “desbravador”, camponeses, peões, seringueiros,
seringalistas, religiosos, e outros agentes comporiam aquilo que seria o humano, ocupando o
espaço da fronteira entre si e o “não humano”, o selvagem, o natural, o indígena. A fronteira,
neste sentido, serviria para “humanizar” esses elementos para além da fronteira humana, do
ponto de vista do colonizador.
Das leituras preliminares realizadas nos Relatórios dos Presidentes de Província do
Amazonas, a ideia de “ocupação” perpassa necessariamente pela ideia de “humano”. Como isto
se processa? Ora, as autoridades provinciais frequentemente usam o termo “desabitado”
(LACERDA, 1865, p. 7), para se referir àquelas localidades que não estariam ocupadas por
colonos, militares ou mesmo indígenas aldeados. Dizendo de outra maneira, aquelas localidades
habitadas, frequentadas e/ou atacadas por grupos indígenas “selvagens”, não eram considerados
espaços “controlados” ou “enquadrados” pela autoridade imperial. Como podemos observar, a